Projeto Democratização da Leitura
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Verin
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Qua Dez 26, 2018 2:44 pm
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PRÓLOGO


Faltam dois dias pra voltar pra escola, mas parece que nada mudou nessas férias. Não cresci, não fiquei mais forte ou bonito, muito menos mais popular. Apenas fiquei em meu computador olhando pra todos aqueles cenários de jogos que tanto me atraem. Sou fascinado por RPG estilo futurístico, principalmente jogos pós-apocalípticos. Andrew Rotbaum, 15 anos, escorpião, 1,70m, 60 kg... Esse sou eu. Recordista em simulação de tiro e mestre em artes marciais virtuais. Fora que sou também o atual primeiro colocado no ranking da cidade de “feras virtuais em jogos de estratégia”. Isso é claro nunca impediu que eu fosse um simples nerd que sempre é ignorado ou atacado pelos valentões e populares da escola. Não que seja problema, afinal, é só entrar pela lateral do colégio e deixar a entrada principal para os novatos e desavisados. Depois de três anos sofrendo nas mãos deles, você cria meios de defesa naturais, normalmente envolvendo usar outros para passar por eles pra você.
A questão é que eu não sei mais como fazer pra ser notado. Sinto saudades do tempo da escola primária, quando eu me destacava por ser inteligente e todos queriam ser meus amigos pra aprender também. Naquela época eu com certeza era “O cara”. Todo mundo fazia, ou queria fazer, trabalhos comigo. Era sempre nota dez. E sempre vivia rodeado de amigos.
Sinto saudade daquele tempo. É sério. Como eu gostaria de ser importante novamente. Atualmente meu valor atual é de saco de pancadas e preparador de colas em época de prova. E ainda tem o problema mais atual e importante: Adolescência. Os hormônios trabalham com afinco e fazem com que qualquer amiguinha antiga de colégio se torne uma musa inspiradora. E aí mora outro problema. Como fazer quando seus olhos não desgrudam da namorada do capitão da equipe de futebol? É rezar pra não ser morto...
E depois de tudo isso meu pai ainda me pergunta por que não fui a nenhum clube ou saí com amigos nessas férias. Acham que sou suicida?
Bem, pode ser que seja um pouco. Foi assim que acabei tomando uma das maiores surras da minha vida e ficando sem sair de casa pelo resto das férias. Estávamos lá eu, Harry, Gilbert, Sandra e sua irmã Suzana, além de George, capitão do time de futebol e namorado de Suzana. Estávamos no shopping, curtindo um lanche e vendo o quanto o George é capaz de se gabar pros amigos quando meu dia foi pro brejo. Primeiro por que ele viu quando eu olhei para o decote da blusa da Suzana. Ele que me bata mil vezes, mas ela é Linda demais. Segundo por que os amigos dele, Harry e Gilbert, eram bem fortes e puderam me segurar com facilidade pelos braços magros. Terceiro, ele bate bem pra caramba. Terminei o dia sendo levado pela Sandra até o posto de saúde com a desculpa de que fomos assaltados e eu tentei protegê-la e acabei sendo surrado. Claro que não acreditaram, mas também não fizeram perguntas. É normal hoje em dia ver adolescentes brigando por aí. Mas o pior foi chegar a casa. Não é todo pai que aceita que seu filho apanhe. Eles normalmente gostam é que o filho bata sem levar em troca. Entrar em casa com o olho roxo e a cara inchada foi o suficiente pro meu pai ter um treco, minha mãe ficar histérica e eu ficar de castigo pelo resto das férias. Não que fizesse diferença agora. Já não tinha mesmo pretensão de sair de casa até que meu rosto voltasse ao normal. Dois meses seriam mais que o necessário para isso.
E cá estou eu, reclamando com meu diário virtual enquanto espero que a operadora local conserte o link de internet que está fora do ar. Pior que ficar de castigo é ficar sem internet. Pelo menos ela me dá atenção e nunca reclama.
Ontem a Sandra esteve aqui. Ela é legal, mas tem esse lado maternal que faz com que ela trate quase todo mundo como uma criança incapaz e que precisa do adulto por perto. Mas é bom conversar com ela. Pelo menos meus pais não me proibiram de conversar com outras pessoas. Ela sempre tem algo novo pra conversar. Dessa vez falou sobre umas reportagens sobre maremotos no sul da Ásia e de erupções vulcânicas na Europa. Ela é muito esperta também. Sempre ficamos conversando sobre tudo, de ciências biológicas até novas descobertas espaciais. Ela fala muito também de ecologia, mas deve ser por que participa do Greenpeace. Ela sempre comenta sobre os abusos ao planeta e que um dia a gente paga por toda essa destruição. Até concordo um pouquinho, por que ultimamente tá fazendo um calor danado e sem nenhuma previsão de chuva. Cara, tirando isso, ela até que é bonita. Mas a irmã dela... Deixa pra lá. Agora vou pensar no que fazer, por que meu pai já tá chegando do trabalho (lá vem reclamação) e ainda estou sem internet. Melhor mesmo é ficar aqui zerando meu novo Call of Duty enquanto treino pro jogo online. E essa internet que não volta...
*****

O grupo de análise chegou ao fundo da caverna. Acenderam todas as luzes dos equipamentos para iluminar o que haviam abatido. Parecia um grande primata, como um gorila. Aproximaram-se mais, notando agora os traços do animal e sua forma física. Não parecia nada do que haviam imaginado.
Examinaram o corpo do animal, verificando sua estrutura e formação corporal. Era algo pouco maior que um gorila, mas aparentava na verdade toda a estrutura de um roedor gigantesco.
- Alfa, achamos um esquilo maior que sua mãe. - Zombou um dos oficiais armados que protegia os pesquisadores.
- Acho que não temos tempo para suas infantilidades, Robert. - Disse um dos pesquisadores.
Ei, ouviram isso? - Disse um dos oficiais, agora apontando a lanterna acoplada na arma para cima.
- Viu aquilo? Era maior do que essa coisa do chão! - Falou Robert, surpreso ao ver um vulto no teto.
A coisa em questão moveu-se pelas sombras e de repente soltou-se, vindo em direção do grupo. Os soldados abriram fogo todos juntos, acertando a coisa e fazendo-a cair com um baque surdo no chão. Aproximaram-se.
- Isso e o maior morcego que já vi. - Exclamou um dos pesquisadores, examinando o corpo inerte do animal. Dois outros seguiram em frente, aproximando-se do que parecia ser um lago subterrâneo.
- Doutor Connel, venha ver isso. - Disse um deles. - Isso não parece ser água. É algo semigelatinoso, translúcido. Parece como a seiva de certas plantas.
O doutor se aproximou, utilizando um pequeno aparelho para colher uma amostra. Olhou um momento para a tela do aparelho esperando uma resposta da leitura química.
- Isso parece ser uma mistura química orgânica. - Disse o doutor. - Vamos levar umas amostras para o laboratório.
Não viram o roedor gigante começando a se mexer, ou a coisa-morcego levantando-se. O grupo não retornou ao laboratório, salvo um dos pesquisadores, um estagiário, banhado numa espécie de gosma desconhecida. Era sexta feira, 30 de agosto, as 21h07min.

CAPÍTULO 1


Dia dois de setembro. Primeiro dia de aula após as férias de verão. Colégio cheio, pessoas novas, os esportistas que não se formaram no último ano preparando os trotes para os novatos e os novatos em questão começando a chegar. Eastside College é uma instituição renomada, não só pelos anos de existência como também por ter formado mais de um quarto dos jovens jogadores profissionais de futebol da liga nacional. Acumulava prêmios pela excelência de ensino e por seus alunos, que se destacavam em diversas áreas. Por isso, quando Andrew viu o troféu que ganhara no Campeonato de Computação Juvenil Estadual alinhado na sala de troféus com tantos outros, não ficou tão surpreso assim. Tinha o costume de entrar pela entrada lateral do colégio, por que assim conseguia fugir dos valentões da escola e por que podia visitar essa sala, que era um refúgio do caos do início letivo. Fazia um calor horrível, mesmo para final de verão, e até andar na sombra não resolvia mais. Andrew entrou na sala refrigerada dos troféus e ficou sentado no chão, próximo ao armário de troféus que tanto admirava. Ficou ali por dez ou quinze minutos, pensando em como ficara feliz ao ganhar o troféu. Mas a felicidade era só sua, pois para os outros estudantes ele seria apenas o “super” nerd e para o colégio era apenas mais um entre tantos prêmios.
Levantou-se quando ouviu a sineta do início das aulas e rumou para a sala de aula de matemática, a primeira de sua nova grade. Gostava da aula do professor Simonsen, o primeiro que o acolheu quando chegou ao colégio. Era um bom professor, sempre desafiando os alunos a melhorarem. Tinha uma careca engraçada, que parecia polida de tão brilhosa que era. Entrou em sua sala junto aos últimos alunos que chegavam e sentou-se à frente, próximo ao professor. Sempre sentava na frente, assim ficava longe dos bagunceiros que gostavam de tirar sarro dos mais quietos.
Afrouxou a gola da camisa com os dedos e limpou os óculos de armação de ferro que usava, sentindo que suava muito com o calor. Pelo jeito, o ar-condicionado ainda não estava funcionando. Haviam prometido o conserto no semestre passado, mas até agora nada. Estava louco pra que chegasse o intervalo e a aula ainda estava no início. Poderia sair e beber litros de água. Sim, uma piscina inteira de água gelada, era isso que precisava.
A aula transcorreu bem e ao seu término até o professor já dava mostras de sofrer com o calor escaldante. Liberou a turma alguns minutos antes do normal e todos saíram bem felizes para a cantina. Andrew aproveitou para encontrar sua amiga Sandra, que agora devia estar saindo da aula de biologia. Encontrou a sala dela e esperou menos de cinco minutos para que ela também saísse, com aquela cara de quem já iria falar sobre efeito estufa ou algo do tipo. Possuía um rosto fino e de traços delicados, e era muito bonita pra sua idade. Tinha olhos castanho-claros e era esbelta e alta, quase tão alta quanto Andrew, só não era desengonçada como ele. Era morena, com um toque de descendência latina, que só a deixava mais bonita.
Encontraram-se e puseram à tona todas as reclamações contra a diretoria do colégio, contra a poluição e causas do efeito estufa e contra os veteranos que passavam trotes nos novatos no intervalo. Saíram para o pátio, que pelo menos era arejado, e sentaram-se embaixo de uma árvore para conversar.
- Sabia que o clube na Rua Lexinton tá em promoção para as piscinas? – Ela comentou de repente, fugindo completamente do assunto que conversavam. – Acho que é por todo esse calor. Poderíamos ir até lá no fim de semana, não é? – Falou com um olhar brilhante e inquisitivo, que deixou Andrew um pouco constrangido.
- Bem, talvez. Ah, acho que não. Ainda estou de castigo por causa daquele dia no shopping. Acho que meu pai não vai deixar. – Viu que ela ficou com um olhar triste e pensativo. “Nossa, como posso estar fazendo isso?”, pensou. – Mas acho que ele vai entender que eu não vou repetir aquilo. E com certeza vai ser um ótimo dia. – Reafirmou rapidamente, esperando animá-la novamente.
Não entendeu por que teve essa reação, mas também não parou muito pra pensar. Sentiu um calor no rosto quando ela sorriu novamente, com os olhos brilhantes de antes. Conversaram mais um pouco sobre outras coisas e voltaram para suas salas, para o término das aulas. Saíram e caminharam juntos rumo às suas casas, e Andrew acompanhou Sandra até a dela antes de voltar três quarteirões para chegar a sua.
Entrou em casa já tirando a blusa e se preparando pro banho. Foi refrescante a água gelada em seu corpo, revitalizando seus sentidos. Após o banho foi pra seu quarto ficar na internet, enquanto seus pais ainda não chegavam do trabalho. Acessou o site do clube da Rua Lexinton, só por curiosidade, e fez todo seu planejamento para o fim de semana. Ótimo início de semana.
Seus pais chegaram pouco depois das seis. Seu pai trabalhava há tanto tempo como gerente de vendas de uma grande loja que tratava até o filho como funcionário. Sua mãe era advogada, por isso sempre tinha aquele ar sério e firme. Eram bons pais, só não estavam tão presentes em sua adolescência. Esperou que todos estivessem juntos à mesa para tentar iniciar o assunto do fim de semana.
- É... Pai. Eu precisava falar com o senhor... – Tentou começar, mas parecia não encontrar as palavras. – Eu queria saber se, apenas se puder... Se o senhor...
- Fale logo o que quer Andy. – Sua mãe disse meio impaciente com a demora do filho a falar.
- Não espero que pense em falar nada sobre aqueles seus GRANDES amigos. Não depois de ver você com o rosto daquele jeito. – Seu pai fez aquela expressão séria, como quem não quer discutir duas vezes o mesmo assunto. Andrew pôs em prática o que tinha pensado.
- Na verdade não, pai. O que queria pedir nesse caso não tem a ver com eles, mas com a menina que veio aqui esses dias. A Sandra Rollings. Filha do doutor Rollings, o cirurgião que operou seu joelho depois do acidente de carro. – Lembrou-se de fazer todas as referências aos Rollings e ao acidente que tornou seu pai e o médico amigos há cinco anos. – Ela tem vindo me visitar esses dias, como o senhor viu, e perguntou se poderíamos ir ao clube da Rua Lexinton no fim de semana, nas piscinas. – Calou-se e esperou certo de que teria uma resposta negativa. Seu pai pensou um pouco olhando para seu rosto, pegou nos talheres e começou a comer em silêncio.
- E o que você pretende, usando a menina como álibi pra sair do castigo? – Perguntou seu pai, em tom sério.
- Eu não vou usar a Sandra como álibi, pai. Foi ela quem me convidou. – Disse Andrew com ar desanimado. – Se duvida, por que não liga pra casa dela?
Ótimo, pois é o que vou fazer. – E se levantou carrancudo, indo até a sala de estar para fazer a ligação. – Vamos descobrir agora que tipo de mentira vai continuar inventando pra mim. – Disse seu pai, em tom de voz alto, da sala.
Andrew ainda ouviu quando seu pai iniciou a conversa, mas depois ele foi andando pela sala e sua voz ficou baixa demais para ser ouvida. Sua expectativa era grande. E se os pais da Sandra não soubessem do passeio? Arriscou muito fazendo essa pequena teimosia para seu pai. Reparou que sua mãe o olhava com um leve olhar de pena, como quando era pego numa travessura. Aquilo o deixou magoado por dentro. “Nunca dei motivos para duvidarem de mim. Porque está sendo assim agora. Nem parece que sou o filho certinho deles”, pensou magoado. Viu seu pai voltar para a mesa, mas já não tinha mais fome nem vontade de saber a resposta. Preferia ficar sozinho agora. “Como seria bom se tudo sumisse e só restasse esse momento de solidão”, pensou. Agora queria estar em seu quarto, sozinho, pronto a ficar no computador algumas horas e longe de qualquer contato que pudesse causar algum estrago em seus sentimentos.
- Eu falei com Edward e ele falou que sua filha tinha realmente intenção de ir ao clube aquático no fim de semana. – Seu pai olhou sério. – Pois bem, eu levarei você até lá de carro, só pra me certificar. – Disse sem olhar para Andrew. Em seguida pegou novamente os talheres e voltou a comer como quem acabara de dar uma ordem e não quisesse mais tocar no assunto.
Andrew empurrou um pouco da comida goela abaixo e pediu para se retirar. Estava de certa forma feliz, mas ter que conviver com a desconfiança do pai, como se ele fosse um delinqüente que arrumasse briga todos os dias, isso era impossível. Entrou em seu quarto e foi pra cama, sem pensar muito no que ia fazer. Pelo menos iria sair...
*****

Jonah acordou com o barulho do alarme do sensor subterrâneo. Fazia trinta anos que trabalhava no setor e era a primeira vez que a estação Warwick Piles acenava uma mensagem de emergência nos sensores vulcânicos. Verificou na tela com sua vista ainda embaçada pelo sono e cancelou o chamado com um comando no teclado do computador, como havia feito nas últimas vezes nos últimos meses. Não entendia como o sistema podia dar tanto problema e ninguém ser enviado para reparo. Ignorou o alarme novamente e ficou deitado no pequeno sofá da sala, esperando quando Jeremy, o outro funcionário que viria substituí-lo no posto pela próxima quinzena, chegasse. Mas ele só viria na segunda e era o único que sabia um pouco da manutenção do sistema. Deixou o computador de lado. Tinha mais com que se preocupar do que com um sistema que nunca deu sinal de vida nos últimos 20 anos.
Não percebeu as luzes do mostrador da costa oeste acendendo, indicando grande instabilidade se alastrando por todo território e cruzando o país. Em proporções normais, seria um abalo sísmico de grande nível. Mas alguém falhara.
No escritório central de geologia, o IGE, todos ficaram apavorados com o volume de chamados de emergência em todo o país. Uma destruição sem fim, que poderia ter sido prevista com um único chamado a central feito por uma estação, com os resultados antecipados.
Jonah não viu a luz de emergência acesa, muito menos sentiu os primeiros sinais de tremor, pois seu sono era causado por uma boa dose de uísque. Foi a última vez que Jonah se deitou. Era sábado, sete de setembro, às 12h49min.

CAPÍTULO 2


Andrew acordou cedo no sábado, não só pela necessidade louca de sair de casa, afinal, ia ao clube com Sandra, mas também por que o calor estava insuportável. Escovou os dentes e desceu para o café, aproveitando para olhar o termômetro próximo a porta que marcava incríveis 38° C. Ficou surpreso com a onda de calor e pensando em tudo que Sandra costumava falar. Sua mãe estava sentada à mesa lendo o jornal. Na primeira capa lia-se a notícia “Onda de calor causa cinco mortes na Filadélfia”. Ficou olhando o jornal, pensando que tipo de problemas poderiam ser causados pelo calor a ponto de matar uma pessoa? Sua mãe lhe recomendou um protetor solar enquanto seu pai levantava para ir pra varanda, fumar um dos charutos que tanto gostava, enquanto esperava o filho se aprontar.
Correu a pegar sua mochila e saiu cedo, não querendo perder um minuto a mais em casa. Seu pai o levou de carro e encontraram com Sandra no caminho da casa dela e foram levados juntos ao clube aquático. Sentia-se exultante, pois estava fora de casa, livre do castigo e com uma pessoa que adorava. Ao chegarem, despediu-se de seu pai com um aceno e correu para fora do carro. Entraram no clube e foram aos respectivos vestiários, onde se trocaram e foram até as piscinas centrais. Fazia muito calor e estava bem cheio, mas ambos puseram tudo de lado e correram a se banhar na água gelada e refrescante. Nadaram e brincaram juntos, sorrindo e correndo pela beira das piscinas. Deitaram-se nas espreguiçadeiras com guarda-sol, tomando refrigerante e conversando sobre coisas de colégio. Depois de um tempo, voltaram para uma piscina mais ao fundo, com menos pessoas, e ficaram nadando lado a lado.
- Andy... Posso te perguntar uma coisa? – Disse Sandra, com seu jeito tímido de ser.
- Pode.
Você gostaria de uma menina, tipo, mesmo se ela nunca tivesse dito que gosta de você de verdade?
Andrew olhou para ela, entre chocado e confuso. Ouviu bem o que ela queria dizer? Ou seus ouvidos estavam lhe pregando uma peça? Sandra era uma garota linda e muitos garotos da turma tentavam sair com ela. Mas ela nunca aceitava. E sempre se encontrava com ele para irem para casa juntos. Sua imaginação deu uma volta inimaginável, até voltar com força pra sua cabeça e ficar martelando com uma idéia quase insana de amor juvenil.
- Acho que sim. – Respondeu acanhado. – Acho que quando você gosta de alguém, não precisa falar. – sua mente fervilhava. “Fala, fala, fala!” pensava.
- Andy... – Ela começou meio acanhada. – Eu... Eu... Sempre gostei de você. – disse por fim, olhando-o com olhos arregalados e confusos. – Mas eu não sabia como te dizer... Você sempre foi um amigo pra mim e não sei quando isso mudou.
- Sandra, eu também gosto de você. – Como conseguira dizer aquilo! Tanto esforço pra colocar tudo que pensava em palavras e ela fez isso tão fácil. Sua mente ainda fervilhava com a descoberta. – E você sempre esteve aqui comigo... – Ficou mudo, sem palavras.
Sandra se aproximou de Andrew, pôs as mãos em seus ombros e o puxou para si. O beijo foi acanhado de início e não sabiam exatamente o que fazer ou como fazer. Para Andrew, aquilo era uma descoberta. Um prêmio. Sentiu os lábios dela e o gosto doce que tinham. Teve sonhos e mais sonhos em um único segundo. Sentia como se o mundo todo vibrasse com ele. Separaram os lábios. Tudo ainda parecia tremer. Andrew por um instante teve consciência que não era um sonho, mas o tremor era real. Olhou pra Sandra assustado, seus pensamentos bloqueados pela onda de medo que o assolou.
Tudo tremia. Começou a sentir uma leve correnteza na água e viu que diversas rachaduras pela piscina escoavam a água. Em desespero, como muitas pessoas, saiu da água puxando Sandra pela mão, correndo em direção ao prédio principal do clube. O tremor cessou.
Havia agora diversas rachaduras pelo chão e paredes e todos passavam numa selvagem correria pela recepção do clube para alcançarem a rua. Andrew ainda raciocinou que estavam em trajes de banho e correu ao vestiário para pegarem suas coisas. Os armários estavam todos escancarados pela violência do tremor. Encontrou sua mochila pendurada no que sobrou do armário onde estava. Apanhou-a e correu com Sandra para que ela também buscasse seus pertences. Vestiu o short e a camiseta de qualquer jeito, enquanto Sandra voltava vestindo seu vestido sobre o maio molhado. Deram as mãos e saíram de lá para a rua.
Estava um caos.
Rachaduras cortavam as ruas de lado a lado, fazendo com que diversos carros tenham caído em suas armadilhas sinistras. Casas e prédios apresentavam também rachaduras e ouvia-se o barulho de metal rangendo das estruturas mais antigas. Correram juntos, procurando ficar em local seguro e longe das maiores rachaduras ou prédios mais avariados. Sandra estava em pânico e Andrew tinha que manter a pouca sanidade que restava, pois não podia deixá-la em perigo. Não agora.
*****

No escritório central do Instituto de Geologia e Estudos, em Washington DC, o diretor-geral, Gregory Turns, discutia com o Ministro de Defesa, Coronel Walter Jonesen, por telefone.
- Não acredito que não notificaram o gabinete presidencial de um acidente dessa magnitude! - Disse coronel Walter. - Precisaremos tomar medidas emergenciais! Nossa população corre risco. Como saberemos a magnitude de um novo evento se não fomos avisados por nenhuma das regiões afetadas? Pra que servem os malditos escritórios de analise então? - Continuou esbravejando.
- Walter. - Disse Gregory com frieza. - A central também não foi notificada. Estamos tentando contato com todos os escritórios do pais, mas isso leva tempo e estamos todos com pressa. - Respirou fundo e continuou. - Estamos tentando juntar o máximo de informações, pois não queremos alardear mais o pais com informações erradas.
- Eu não quero saber se vai falar errado ou certo. Pode falar ate de suas meias que eu não dou a mínima! Vamos entrar com um alerta geral. E o presidente será notificado. - bateu o telefone, encerrando a ligação.
Gregory levou as mãos ao rosto, num misto de desespero e cansaço. O telefone tocou nesse instante. Atendeu com impaciência, certo de que seria o coronel ou algum subalterno. Ouviu a ligação e ficou em choque com a noticia que recebeu.
Cinco minutos depois, antes que conseguisse sair de sua sala, os tremores recomeçaram. Gregory nunca chegou ao seu carro, ou sequer viu sua esposa e filhos.
Eram 13h26min de sábado, dia 7 de setembro.
*****

Andrew levou Sandra para sua casa, que era mais perto do clube. Ao chegarem viu seu pai sentado na rua com expressão congelada e sua casa, apenas um monte de escombros. Sua mãe chorava copiosa sentada no gramado que fora seu jardim. Viram sua chegada e correram a abraçar o filho e sua amiga, felizes por nada de mais ter acontecido. Choraram juntos e, depois do momento de alívio, Andrew falou ao pai que iria com Sandra ate sua casa.
- Não! Vocês não podem ir com tudo isso acontecendo. Eu vou ate lá e vocês ficarão aqui. - Disse seu pai, com voz decidida. - E fiquem longe das casas. Pode haver mais tremores e... - Manteve o resto da frase para si, pensando em como se sentira ao imaginar seu filho morto. Deu um abraço em cada um e pôs-se a correr pela rua.
- Espero que papai tome cuidado e que todos estejam bem. - Disse uma chorosa Sandra, com lágrimas escorrendo pela face. Andrew se aproximou dela e acariciou seus cabelos, puxando para um abraço terno e protetor.
- Vai ficar tudo bem Sandra. - Disse com convicção. Não sabia de onde vinha toda essa certeza e coragem, mas sua mente estava límpida como um lago de águas cristalinas. - Logo nossos pais vão voltar e sua família vai estar bem, você vai ver. Por enquanto fique aqui comigo. - Disse e sentou na calçada, trazendo-a para seu lado. Sentia-se forte e algo em seu interior dizia que ficaria bem. Confortou-a e criou seu próprio conforto ao estar ao seu lado. Tanta coisa acontecera em um só dia! E agora todo esse desastre. Sua mente ainda estava atordoada pela declaração feita mais cedo e toda essa catástrofe só piorava tudo. Sentia-se distante da realidade e tentava retornar das profundezas em que sua mente mergulhara. Olhava aturdido para sua mãe, que ainda estava abatida olhando o que sobrara da casa e cruzava depois o olhar com Sandra, que o olhava como se ele pudesse resolver tudo com suas decisões e atitudes de antes. Não estava preparado para todo esse choque de realidade e responsabilidade que o atingiu.
Passaram um tempo assim, com Andrew abraçando-a. Sua mãe veio sentar-se ao lado dos dois, abatida e silenciosa. Andrew foi o primeiro a ver seu pai retornando. Viu que junto dele estavam os pais e a irmã de Sandra, além de George, o namorado dela. Todos estavam abatidos e correram para abraçar Sandra quando a viram. Falavam e choravam preocupados, enquanto paparicavam a filha mais nova e sua irmã a abraçava. Andrew trocou olhares com George e viu a tristeza nos olhos do rapaz.
- George. - Andrew chamou baixinho. - Onde estão seus pais?
- Estão viajando em Ohio a negócios. - Respondeu. - Mas eu consegui ligar pra eles pouco tempo atrás. Disseram que lá também teve um tremor e que vão voltar logo que esse caos passar, por que tá impossível pegar estrada agora. - Finalizou com desânimo.
- Você pode ficar conosco por enquanto querido, sabe disso. - Falou a senhora Rollings, afagando o braço de George. Ele sorriu em resposta, ainda com desânimo no olhar.
Sandra voltou a abraçar Andrew, dessa vez com um pouco mais de forca, como se não quisesse se separar.
- Pai, Andy e os pais dele perderam tudo. - Falou Sandra com voz embargada. - Eles tem que ficar com a gente também.
- Tudo bem querida. É o mínimo que posso fazer por um amigo, não e Eric? - Disse o senhor Rollings, acenando com a cabeça para o pai de Andrew.
- Certo, obrigado Edward. E obrigado por se preocupar Sandra. - Disse o pai de Andrew. - Acho que não temos mais o que fazer aqui. Tudo se foi. - Disse com ar desolado. Andrew sabia todas as manias de seu pai e desordem era algo abominável para ele. Esse caos deveria ser o próprio inferno para sua consciência lógica.
- Andy, fica comigo, tá? - Disse Sandra com lágrimas nos olhos.
- Vou ficar o tempo todo. E se eu sair pode atirar uma pedra na minha cabeça. - Disse Andrew tentando fazer graça para animá-la um pouco.
Nem haviam começado a andar quando o segundo tremor começou. Foi algo violento, que parecia interminável. Várias casas da rua começaram a desabar e era quase impossível se manter em pé. Caíram no chão, todos se abraçando caídos, apavorados com a violência do terremoto. Quando parou, podia-se ouvir dezenas de pessoas pela área gritando desesperadas, carros revirados e casas tombadas. O pequeno grupo formado pelas duas famílias correu, seguindo o caminho da casa dos Rollings, como se assim pudessem encontrar abrigo.
Estavam na avenida principal quando o terceiro tremor ocorreu. Começou fraco, e ganhou força subitamente. Andrew estava correndo de mãos dadas com Sandra quando percebeu o que ocorria. Sentiu o chão debaixo de si vibrar e sabia que uma fenda iria abrir. Empurrou Sandra na direção de seu pai que, surpreso pelo impacto com a garota, abraçou-a com forca.
O chão se abriu, tragando Andrew, retirando ele num instante da vista de seus familiares e conhecidos.
Sandra gritou desesperada, ainda vendo a fenda se alargar mais e mais. Foi puxada pelo pai de Andrew que, em desespero, não assimilara o fato de que seu filho desaparecera. Correram por minutos enquanto várias outras fendas abriam-se pelo caminho, desnivelando ruas e derrubando prédios e casas.
Ficaram entre um cruzamento, vendo outras pessoas desesperadas e tentando agarrar-se uns nos outros. Sandra murmurava baixinho em choro: "Porque me abandonou? Porque, Andrew?". Não viram quando uma das fendas atingiu um dos prédios ao redor, derrubando-o naquela direção.
Eram 13h59min de sábado, 7 de setembro, quando tudo acabou.
*****

Andrew caiu. Chocou-se várias vezes com as paredes da fenda, sentindo seu corpo trincar com os impactos sucessivos. Sabia que iria morrer, mas não queria uma morte assim. Caiu num espaço de tempo sem fim, até atingir uma grande concentração líquida e afundar. Tentou em vão se debater, mas seu corpo não tinha forças. Afundou enquanto engolia golfadas do líquido, indo cada vez mais fundo. Sua consciência adormeceu enquanto seu corpo ficou imóvel e afundou.
*****

O desastre atingiu todo o mundo. Centenas de milhões morreram, cidades e países desapareceram. Durante mais de um ano, todo tipo de catástrofe climática assolou o planeta. Terremotos, maremotos, erupções vulcânicas, tsunamis... O mundo fez sua própria limpeza do que parecia errado na ordem natural. E a adaptação ao novo mundo se iniciou.
Mas os seres humanos sobreviveram. Homens poderosos que detinham poder ou pobres pessoas que nada tinham senão a roupa do corpo, não importa. Eram poucos, mas haviam sobrevivido por algum milagre divino. Mas estavam lá. E a partir desses homens e mulheres uma nova comunidade nasceu, com suas próprias leis, justiças e injustiças. E o tempo continuou.

CAPÍTULO 3


Acordou. Não sabia onde estava ou o que acontecera. Sua mente era pura confusão e seus pensamentos nada traziam a tona. Olhou a sua volta. Estava no chão, ainda com parte do corpo dentro d'água. Levantou-se com grande esforço, cambaleando, sem firmeza nas pernas e braços. Estava nu, mas não assimilara ainda o fato. Estranhou o ambiente ao seu redor. “Onde estou?”, pensou. Não conseguia se lembrar de nada. Bem, quase nada. Lembrava-se de dois nomes: Andrew e Sandra. Deveria ser o Andrew. Mas quem seria Sandra? Não tentou pensar muito nisso, pois sua cabeça doía muito e não conseguia nem manter-se em pé direito, quem dirá tentar lembrar algo agora. Olhou novamente ao redor. Estava no que parecia ser um buraco, talvez uma caverna. Caminhou tateando pela penumbra, acompanhando as paredes do local. Viu um facho de luz e caminhou em sua direção, tropeçando nas pedras no caminho. Seus olhos foram ofuscados pela luz quando saiu, recebendo uma lufada de ar quente no corpo. Piscou varias vezes para tentar acostumar a vista, enquanto respirava o ar quente e seco do exterior da caverna.
Experimentou mover-se para fora da caverna, tirando as mãos das paredes que lhe serviam de apoio. Deu os primeiros passos, mas parou, sentindo suas pernas vacilarem sem equilíbrio. Parou, olhando ao redor. Durante um momento, sua mente não assimilou a realidade. Via um deserto sem fim, seguindo ate o horizonte. Não havia nada, nenhum sinal de vida ate onde sua vista alcançava. Tentou entender o presente, lembrar de algo, mas sua cabeça doía e nada vinha as lembranças. Empurrou para trás os cabelos que lhe caiam nos olhos e começou a andar sem rumo. "Que lugar vazio.", pensou. "Onde será que estou? O que houve comigo?" Indagava insistentemente. Sua mente dava voltas e mais voltas, mas nenhuma lembrança vinha alem dos dois nomes. Acreditou por fim que deveria ser Andrew e ficou a imaginar quem seria Sandra. Não lembrava nem rosto nem cor, cabelo ou peso. Nada. Um vazio sem igual povoava sua cabeça e nada que fizesse trazia a tona suas lembranças, ou sequer uma pista por onde começar. Pensava que deveria ter sido uma pessoa importante, ou não pensaria tanto nela. Mas ainda estava confuso, por isso guardou tais pensamentos num canto da mente e passou a se preocupar com outras coisas.
Sentia fome, muita fome. Era como se não comesse nada ha tanto tempo que nem se lembrava do gosto das coisas. E sentia-se incomodado com o fato de estar nu. Era como se algo em sua mente dissesse que era algo errado, mas não entendia o porquê. Continuou caminhando pelo caminho desértico que parecia não ter fim, sentindo aos poucos um cansaço tão grande se abater sobre seu corpo, que simplesmente caiu no chão e ali desmaiou.
Horas se passaram ate que acordasse. Sentia-se mais forte e o latejar da cabeça desaparecera. Estava escuro. Dera-se conta que anoitecera e a lua no céu iludia o mundo com seu brilho espectral. Olhou ao redor, recordando o quanto andara. Viu ao longe, a sua direita, algo com formações altas. Julgou que aquilo poderia ser algo bom e prosseguiu caminhando.
Caminhara sem perceber o tempo passar, na mente apenas o intuito de chegar onde queria. Quando a luz de um novo dia despontava no horizonte, chegou. Viu grandes construções vazias e em ruínas, tudo parcialmente soterrado por areia e terra. Aproximou-se. Algo em sua mente se acendeu, como uma luz na escuridão. "Deveriam ser prédios.", pensou, sentindo que havia lembrado algo. Ficou momentaneamente feliz por isso, mas logo se deu conta de que nada encontraria ali. Os prédios que lembrara eram maiores e viviam cheios de pessoas. Mas ali, só havia areia e deserto. Sentiu novamente a solidão e recomeçou a caminhar entre os prédios, como se buscasse respostas para todas as suas perguntas ali. Acabou por entrar num dos prédios, passando pelo que seria o buraco vazio de uma janela. Viu pedaços de objetos corroídos pelo tempo, apenas ferro e plástico das suas formas em decadência. Aproximou-se de algo como uma mesa, apenas para que esta se desfizesse em poeira e ferrugem ao seu toque. Olhou ao redor, sentindo algo remexer em sua mente, uma espécie de tristeza, como se algo muito importante houvesse sido perdido. Sem perceber, chorou e não conseguiu conter tais lagrimas, que caiam sem nem entender direito o porquê. Chorou e esse mesmo choro tornou-se algo doloroso, lhe arrancando soluços de dor. Ficou sentado no chão a chorar essa tristeza, sem notar o dia que se iniciava.
Algum tempo depois, ainda com a sombra da tristeza nos olhos, levantou-se e saiu.
O dia tornava-se claro novamente. O calor, como antes, era forte e angustiante. Saiu do prédio e, por mera distração, pegou da armação da passagem-janela uma barra de ferro longa, com a qual começou a riscar a areia. Riscou uma linha, um circulo. Riscou seu nome e descobriu que sabia escrever e ler. Começou a riscar coisas sem sentido como palavras que vinham à mente e coisas que olhava. Bateu com a barra numa das estruturas-prédio e se divertiu com isso. Algo em sua mente o fazia lembrar-se de se divertir ao lutar com coisas e golpeá-las com uma barra como essa. Ficou a bater e bater, rindo quando via algo se soltar da estrutura e cair, como se houvesse ali o motivo de sua felicidade. Não deu atenção ao barulho que fazia ou aos pedaços que arrancava da estrutura, com golpes cada vez mais fortes e empolgados. Sentia-se bem e isso era o que importava agora. Não notou a sombra alta ou o rosnar baixo até esse estar muito perto dele. Continuou sua brincadeira com alegria, ate notar que a luz do sol foi bloqueada por uma sombra. De repente, sentiu um calafrio e, de súbito, jogou-se para dentro da janela próxima ao mesmo tempo em que algo imenso caia onde estivera um momento antes. Olhou com medo, vendo algo grande e peludo do lado de fora. A coisa o encarou, algo como um cachorro selvagem, um que crescera extremamente e de modo grotesco. Tinha costas curvadas e musculatura incrível, alem de patas e garras do tamanho do tórax de um homem adulto. Era cinzento, notou Andrew, e seus olhos raivosos de um tom azul claríssimo. A criatura posicionou-se e saltou mas, um segundo antes do impacto, Andrew teve a mesma sensação de antes e desviou por baixo da criatura. Trocaram de lado e encararam-se novamente. Intimamente Andrew se perguntava como faria para fugir. Apertou os dedos das mãos e notou que ainda segurava a barra de antes. Isso lhe deu uma sensação de forca incrível e, dessa vez, começou a repensar quem era o caçador, ele ou o cão gigante? Não alcançou a resposta, pois a fera voltou a atacá-lo e dessa vez rolou para o lado para escapar. Lembrou da sensação ao bater com a barra e seus pensamentos voavam, dizendo que tinha vantagem. Arriscou. Quando a fera saltou de novo, saltou junto para frente, girando a barra de ferro no ar com toda sua forca. O golpe atingiu a fera do lado da cabeça, derrubando-o com um baque surdo. Viu o sangue escuro escorrer da cabeça do animal e também pela barra de ferro, agora meio amassada. Não compreendeu o que fizera de inicio, mas, passados alguns segundos, notou a violência com que matara o animal. Sua mente surtou enlouquecida, fazendo com que corresse desesperado dali.
Não soube quanto tempo correu, deu-se conta apenas quando já estava em meio ao deserto novamente. Ainda segurava a barra de ferro. Apertou-a com forca, como se aquilo fosse sua única salvação. Continuou andando, com o sol queimando a sua pele e com a areia criando imagens ilusórias no deserto. Ainda sentia fome.
Caminhou novamente por horas incansáveis e pode avistar ao longe outro grupo de construções no deserto. Aproximou-se, dessa vez temeroso, mas com uma ínfima pontada de poder pelo que fizera antes. Caminhou no meio de pequenas construções de metal velho, novamente pareciam ser os andares finais de antigos prédios. Foi olhando de um em um dessa vez e, estranhamente, num deles encontrou um grupo de caixas pesadas de ferro. Estavam com grandes cadeados e variavelmente amassadas, mas ainda assim fechadas. Sua curiosidade novamente foi atraída pelas caixas e pôs-se a bater com a barra nos cadeados, com força e velocidade. Eram três caixas ao todo e nenhum dos cadeados foi resistente o suficiente aos seus golpes. A barra de ferro agora estava tão amassada que não serviria nem para desenhar rabiscos na areia. Jogou-a de lado e foi ver o que encontrara.
Abriu a primeira caixa com duvida, mas elas foram desfeitas ao encontrar varias mudas de roupas de diversos tamanhos. Eram velhas e algumas estavam bem puídas. Escolheu as melhores que lhe cabiam e vestiu-se. Na segunda caixa encontrou diversas latas. Comida enlatada, lembrara-se. Pôs as latas na caixa e foi olhar a terceira, para ver se haveria algo para abrir as latas. Na terceira teve sua surpresa. Diversas armas estavam acumuladas na caixa. Pistolas, rifles, facas, granadas... Sua mente lhe ditava idéias de uma guerra e que ali deveria ser um esconderijo abandonado em meio ao deserto. Pegou uma grande faca e colocou na cintura, presa ao cinto. Em seguida catou uma menor e utilizou-a para abrir as tampas das latas. Foi uma tarefa relativamente fácil e logo estava a comer feijões, ervilhas e sopa enlatada. Buscou na caixa de roupas um casacão, que amarrou e utilizou de trouxa para guardar diversas latas. Pegou as facas e guardou-as consigo, certo de que seriam uteis. Teve pavor de pegar nas armas. Algo em seu interior tinha medo do que elas provocavam. Usou a barra de ferro e outras duas facas finas para prender as tampas nas caixas. Quando se deu por satisfeito, partiu. Pensou em marcar o lugar, mas achou que mesmo que tentasse não encontraria esse lugar novamente. Rezou em silencio para que não precisasse voltar.
Caminhou novamente pelas areias e seus caminhos, guiando-se pelas sombras no horizonte que poderiam ser algo mais. Passou por outra caverna como a de que saíra e teve a ânsia de entrar para olhar. Pensava se seria o único ali ou se haveriam mais. Entrou com cuidado na caverna, tocando as paredes para se guiar, ate que sentiu água sob seus pés descalços.
Abaixou-se e tocou a água com as mãos, juntando um pouco e levando aos lábios ressecados com cuidado para não derramar. Sorveu com gosto, sentindo a água fresca descer a garganta e diminuir o calor que sentia. Resolveu que um banho não faria mal e assim despiu-se e pulou na água. Ficou um bom tempo ali, relaxando, enquanto pensava quantas cavernas como essa haveria pelo caminho. Mesmo com esse pensamento, sua mente bloqueava suas idéias e sentidos e ele já pensava no encontro com a criatura-cão como um fato antigo e sem importância.
O deserto cobrava seu preço e sua sanidade já não era tão perfeita então. Saiu da água com um leve sorriso de satisfação insosso no rosto e pôs as roupas com o corpo molhado, fazendo o tecido grudar na pele. Caminhou com sua trouxa na mão para fora da caverna, vendo que já escurecera. A noite dominava tudo que via e a única luz existente era a da lua e das estrelas. O céu era um grande tapete negro salpicado de gotas coloridas de tinta. Sentia um prazer e liberdade enormes frente aquilo. Viu que não haveria como continuar no escuro, por isso entrou novamente na caverna. Escolheu um canto no fundo onde usou a trouxa de roupas e latas como encosto improvisado. Deitou-se e, sem pensar em nada alem do próximo dia, dormiu.
*****

O sol já estava forte quando Andrew acordou. Levantou-se esfregando os olhos, parando para lavar o rosto antes de sair. O dia quente, sem brisa, já mostrava o quanto traria desconforto e dificuldade em caminhar pelo campo desértico.
Andrew juntou suas coisas e saiu a caminhar, sem se importar muito com o sol ou calor. Prendera uma blusa na cabeça como uma bandana e usou outra para encharcar de água e deixar pendurada ao pescoço, para tentar vencer um pouco o calor. Não foi bem sucedido, pois apos uma hora a camisa ha muito secara e o calor era insuportável.
Continuou a caminhar.
Minutos tornaram-se horas. Horas tornaram-se dias. A comida estava quase no fim, mas sua suspeita sobre as cavernas d'água já havia se confirmado. Diversas cavernas encontradas pelo deserto que possuíam fontes de água pura. Em alguns casos teve que rodear uma delas mantendo grande distancia, pois vira algo como o cão selvagem que encontrara antes. Vira também grandes pássaros no céu, mas nunca onde pousavam. Sua rotina era caminhar durante o dia e descansar ao anoitecer. E assim passou vários dias, racionando a comida e se abastecendo de água a cada caverna que encontrava.
Já estava no meio de uma tarde quando avistou algo no horizonte. Parecia uma forma alta, como os antigos prédios que lhe vinham a memória. Não tardou a pensar em pessoas em movimento, comida de verdade e coisas como roupas e um lugar bom pra dormir, por isso pôs-se a correr naquela direção. Sabia que não era tão longe, por isso usou de todas as suas forcas para fazer o trajeto.
Estava enganado.
Já alcançara metade do caminho quando anoiteceu. Nunca fizera um percurso a noite mas seus instintos lhe diziam que havia perigo. Mas estava tão perto! Sua mente lhe pedia cautela mas seu corpo pedia um lugar pra ficar. Resolveu seguir. Que mal haveria em correr mais uns poucos minutos? Logo chegaria e poderia descansar num dos prédios que vira. Quem sabe haveria camas pra dormir?
Seu erro foi maior que todos seus acertos.
Corria sem parar ao seu destino quando notou pela primeira vez algo estranho. De inicio não dera a devida atenção, afoito para chegar ao objetivo. Mas percebera e isso já foi o suficiente para que seus sentidos fossem postos novamente em alerta. Sentiu o calafrio e a tensão dominando seu corpo, com todos os sinais que indicariam o perigo próximo. Sem titubear, mergulhou de encontro a areia.
Sentiu ao bater no chão algo muito próximo resvalando suas costas e o ardor que seguiu. Gemeu entre os dentes, levantando-se e pondo a correr com mais afinco. Não arriscou olhar para trás, sabendo que esse poderia ser seu maior erro. Correu loucamente, agachando-se mais uma vez e vendo um grande vulto acompanhar seu movimento e acertar o local em que estivera exatamente antes. Correu, pondo toda a energia que possuía nas pernas, rezando inconscientemente em silencio para que não ficasse sem forcas nem caísse agora.
Foi então que a luz surgiu. De inicio achara que havia morrido mas seus instintos ainda indicavam que estava em perigo. Correu mais, agora em direção a tal luz. Então ouviu. Era algo como uma explosão de sons, reverberando e atingindo tudo a sua volta. Novamente agiu, correndo e ziguezagueando pela areia. Nesse instante algo o atingiu, trombando de tal forma que foi arremessado com forca contra o chão. Viu algo se mover na escuridão, e de repente viu, contra a luz, uma enorme fera preparando para atacá-lo. Estava tonto e fraco. A queda pareceu ter o efeito de enfraquecê-lo completamente. Sentiu um aperto no peito. Não queria morrer assim. A fera pulou em sua direção.
Ouviu novamente a explosão de som quase que um segundo antes da fera cair sobre seu corpo. O impacto retirou-lhe todo o ar e causou diversas explosões de dor pelo corpo. Não agüentando toda angustia, desfaleceu.
Abriu os olhos uma única vez antes disso. Viu varias pequenas luzes ao redor, mas sua mente já entrava num estado de torpor irremediável. Fechou os olhos. E tudo escureceu.
*****

- Clover, veja se o pegamos! - Disse o primeiro a se aproximar.
- Droga, aquilo o pegou! - gritou uma segunda voz logo em seguida.
- Ei, veja só. - Disse o intitulado Clover. - Ele esta com um dos uniformes do leste.
O segundo se aproximou mais. Usou a arma como alavanca, empurrando o corpo da fera para o lado, livrando o corpo do rapaz desse peso. Usaram as lanternas dos capacetes que usavam para examinar a aparência do rapaz. Ele usava vestes maltrapilhas, rasgadas em diversos pontos. Viram manchas de sangue na roupa, sinal de algum ferimento.
- Droga, será que ainda 'tá vivo, Clover?
- Acho que sim. Só não sei por quanto tempo. Mas vamos levá-lo, ele pode ter algumas respostas antes de morrer. - Falou, enquanto empurrava a arma pendurada no ombro para o lado e agarrava um dos braços do rapaz desfalecido. - Vem me ajudar! - disse para o outro.
- Ok, ok. O carro já 'ta chegando de qualquer jeito. Vamo' com calma. - Pegou o garoto pelo outro braço e o arrastaram ate um veiculo iluminado por grandes faróis e um holofote superior.
Entraram na caçamba do veiculo e puseram o rapaz no chão. Clover fez um gesto com o braço e o veiculo partiu.
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