Projeto Democratização da Leitura
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Anjo
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Qui Dez 15, 2016 6:21 pm
Nota: A vontade sempre persistiu e tenho revisado este texto, com o objetivo de dar qualidade se comparado ao antigo. Ele já está completo, só preciso mudar umas coisinhas, como erros gramaticais, ideias que não se ligavam e os personagens. Os personagens desta história foram pedelenses do passado, especificamente do final de 2010 e início de 2011. Com o intuito de trazer a galera de novo, pelo menos pela curiosidade do que aqui está, eu resolvi que os membros recentes tomarão o lugar de alguns que se foram, excluíram-se ou que foram excluídos. Espero que gostem. E garanto que terá princípio, meio e fim, pois já está todo pronto. Mas...vou postar em capítulos, para deixar a trama como foi concebida em 8 de dezembro de 2010. Um texto que não tinha ideia do que ia dar, mas que rendeu muitas gargalhadas e chateações. Fui admirado e odiado. E gostei disto. Fiquem à vontade com Veritas. Boa leitura.
Capítulo 1 - 28/06

Lembro-me de não sentir dor ou aflição no dia em que fui criado. Apenas abri os olhos e vi o que estava ao meu redor. Uma sala com paredes brancas, sem janelas ou portas. Olhei minha mão direita, abri-a, observei a palma, as unhas, passei-a no meu rosto, no intuito de me reconhecer. Jazia numa cama. Levantei-me e andei pelo quarto, toquei na parede e esta brilhou e em seguida não vi mais nada.

Novamente abri meus olhos e estava numa praça, sentado num banco. No horizonte pessoas passeavam de mãos dadas, outras andavam com seus animais de estimação, outros brincavam com crianças de jogar bola. A grama verde parecia um tapete e no fim da vista havia um lago. De repente me vi criança, eu me segurava no colo. Deveria ter uns três meses, o pequeno tocava minha face, meus olhos fitavam uns olhos pequenos e brilhantes. Havia uma fragrância incomum, porém agradável, como de orquídeas. Nós tínhamos um contato único, pois eu conseguia ter as duas visões: a adulta e a infante. E me perdi dentro de uma delas.

Abri meus olhos e vi a certa distância um homem carregando um jovem pela mão. Eu tentei acompanhá-lo, mas ele era mais rápido. Senti que aquele jovem era eu. O homem me levava para um lugar aonde eu não queria ir. Seguindo-os eu percebi que aquele era meu pai, não via seu rosto, mas o outro eu disse:
- Eu entendi, pai.

Pela quarta vez acordei e desta vez eu já tinha uma bagagem de vida, sem me lembrar ao certo como adquiri-a. Eu me vi num quarto escrevendo algo num caderno de capa preta.

“Como uma semente que cresce, percebi que algo estava errado. Nasceu em mim um sentimento contrário a aquele que experimentava. Conversei com meu pai sobre isso. Ele me disse que eu fora criado com o propósito de desviar a atenção das pessoas, para que elas não o vissem. Disse que eu tinha que fazer a vontade dele, independente dos meus julgamentos.”

“Nunca entendi perfeitamente este desejo, ou ordem. Pediu para eu entrar no mundo e criar confusão. E me deu uma arma ordenando que eu matasse meus amigos em seu nome. Não concordei com aquilo, entretanto fui castigado devido à minha relutância. Ele insistia que o chamasse de pai, mesmo eu não tendo certeza disso.”

“Eu gostaria de entender o mundo e as pessoas então principiei a estudar todas as formas de religião, isso quando ele não estava perto. De cristianismo a budismo, ocultismo a islamismo. Estudei de tudo: filosofia, pedagogia, psicologia, parapsicologia e outras vertentes de pensamentos para encontrar uma resposta. E um dia me descobri como um ser criado para fazer a vontade de um homem, o meu criador: meu pai. E o meu pensamento cresceu, viajou, conheceu verdades e me voltou, como um bumerangue dizendo o que estava havendo com minha vida.”

“Fiquei bastante triste ao ter convicção de que não tinha vontade própria. Sou uma criatura com os passos predestinados. Sou um boneco criado para fingir ser algo que não sou, mas que meu pai queria ser. Ele joga toda sua bagagem em cima de mim. Isso me dói.”

“Eu queria ser livre. E estou tentando ser. Meu pai me pegou várias vezes tentando ser honesto e justo. Em todas as ocasiões em que lhe traí a confiança ele me açoitou. Lamento que as pessoas não percebam quem sou de fato. Queria que soubessem das coisas que penso e que tenho vontade de fazer. Sempre tenho sonhos bons que gostaria de compartilhar, mas eles são sufocados como um peixe numa rede exposto ao sol. Queria que soubessem disso.”

E o garoto continuava a escrever sem dar pausa, sem errar as palavras, escrevia como se fosse sua respiração. Naquele quarto fechado, rodeado pelos seus medos ele se escondia naquele caderno, criando-se no papel, fazendo sua ficção ser a sua realidade.

“Fui criado de uma matéria chamada sonho, que nasce de uma cachoeira descomunal num lugar chamado Mundo dos Sonhos. E ainda mantenho uma ligação com este mundo. Lá as coisas são diferentes, meu pai não teria a mínima chance. Neste lugar não existem os reinos da biologia, não existe a lógica. Lá sempre é dia e a chuva é doce. Você pode alcançar as nuvens e sentir seu sabor. Os montes escarpados são de chocolate. Os seres míticos que lá existem são pacíficos e solidários. Gentis. Se você for estrangeiro, eles te concedem comida e uma morada. A terra é vasta, não tem fim. Seus olhos podem percorrer o horizonte e você pode tentar encontrar o final daquele mundo, mas nunca o encontrará. Posso viajar para outros universos, mundos diferentes, realidades alternativas onde o tempo não passa.”
Capítulo 2 - 05/07

Estou arquitetando uma forma de me libertar deste inferno. Sempre me vem à mente a vontade de matá-lo. Mas se fizer isso estarei matando a mim também. É como se uma bruxa me enfeitiçasse. Não sei o que fazer. Ele está chegando. Ouço seus passos. Parecem pisadas de um gigante. A casa toda treme. Ele chegou. Fujo pela janela do quarto. Ele me vê ao abrir a porta. Corro tresloucado pela relva verde. É noite. Ouço-o gritar ao longe:
- Não adianta correr. E nem se esconder. Eu te pego, infeliz! Eu sei de todos os teus passos.

E ele ri. E gargalha.
Estou perdido. Não tem lugar onde posso ficar sem que ele me encontre. Estou disposto a dizer quem ele é. Mas não posso. Se eu disser seu nome o mundo todo acabará. E eu também. Não quero morrer, mas também não quero mais ser escravo. Eu quero dirigir meu destino com liberdade. Quero tomar um banho e tirar este odor de mentira. Trocar meu vocabulário fabricado de obediência cega por algo real. Tirar essas sandálias sujas do barro da raiva e da fúria.

[De que serve o nosso desejo cego de criar quando tudo o que criamos está condenado a desaparecer?]

Durante minha fuga olho para o céu. Vejo a imensidão da noite com suas estrelas cintilantes, com tons azulados. Percebo-me pequeno, há um propósito para tudo. Sinto um calor dentro de mim e subitamente já não tenho medo da morte. Mas não quero morrer hoje. Há tantas coisas para se saber...
- Desgraçado! - Ele grita por entre os arbustos na intenção de me encontrar.
- Perdão, pai, mas eu poderia...
- Seu desgraçado. Eu te criei. Você tem que me obedecer, nem que eu tenha que te ensinar da pior forma possível.

Ele me xingou de tudo o que era forma. Por fim me encontrou. Retirou o azorrague de couro que carregava no cós da calça. E quando ia me acertar, uma luz brilhante e forte surgiu por detrás de uma árvore.
- Quem está aí? - ele perguntou enquanto tentava impedir a luz de alcançar seus olhos.
- Largue este azorrague. - disse uma voz suave, que parecia vir de todas as direções.

Foi neste dia meu pai percebeu que havia algo maior e mais forte que ele.
Capítulo 3 - 16/07

Meu pai se preparava para me bater. Retirara o azorrague, encarando-me. Segurava meu braço direito fortemente. Seus olhos flamejavam de ódio. Eu já estava quase fechando os meus esperando o ataque, quando percebi uma luz que progredia. Foi ficando mais forte, alumiando todo o lugar. E subitamente a árvore se desfez, sumiu como num passe de mágica, esvaecendo.

Meu pai mantinha as sobrancelhas cerradas, entretanto não soltou o meu braço, nem diminuiu a força com que o segurava. Os dois olhamos para o lugar onde outrora havia a árvore. E uma voz maviosa envolta em branca luz disse:
― Largue este azorrague.

Não havia ninguém lá. Só a luz vigorosa. Meu pai não parecia assustado. Encarou a luz e indagou:
― Quem está aí?

Daquela direção foi surgindo uma silhueta. A silhueta tornou-se corpo. O corpo tornou-se uma mulher. E essa mulher estendeu a mão esquerda na nossa direção. Meu pai começou a se contorcer.
― Ei, o que você está fazendo comigo? – ele perguntou.

Sua mão parecia segurar meu pai, mas ela estava longe. Ele estava visivelmente sendo apertado. Bruscamente ela cerrou a mão e direcionou-a ao chão.

Meu pai fora sugado para dentro da terra. Como se aquele ser alvo tivesse controle sobre ele através da sua mão. Tudo foi muito rápido. A luz diminuiu de intensidade. Sentei-me na relva, perplexo. A mulher aproximou-se morosamente de mim. Pude perceber agora que ela era jovem. Deveria ter algo entre dezoito e vinte anos. Ajoelhou-se e segurando meu queixo, disse:
― Anjo, você pediu ajuda, agora estou aqui.
― Quem é você?
― Sou uma fada branca, meu nome é Alirian. Você clamou aos céus ajuda para se livrar do Homem Sem Nome. Eis-me aqui. Fui enviada para te orientar no que deve fazer para destruir o feitiço que te prende.
― Como assim? O que isso significa? – perguntei.
― Eu sou uma das criaturas mais antigas de que se tem notícia. E sei como funcionam certas coisas. Uma delas é este tipo de encanto. Você não é o primeiro...

Enquanto ela falava não podia deixar de perceber sua candura e beleza. Ela era uma fada. Já tinha ouvido falar nelas, porém nunca tinha visto uma. Ela tinha a pele clara. Seus cabelos eram dourados levemente cacheados e muito cintilantes. Em sua cabeça havia uma tiara de diamante, como de uma princesa. Seus lábios também brilhavam. Um cheiro gostoso de bromélias saía dela invadindo todo o ambiente. E seus olhos me transmitiam paz e sabedoria. Não tinha asas. Ela era linda.
― Está me ouvindo? - perguntou.
― Sim, sim, claro. O que devo fazer? E o que houve com o meu pai?
― Primeiro, pare de chamar aquele espírito de pai. Nunca mais o chame assim. Ele encheu sua cabeça de mentiras. Ele colocou os livros que lhe interessavam na sua frente, todos forjados. Segundo, ele está preso no Calabouço do Seol. Eu consegui prendê-lo por três dias. E você deve iniciar sua jornada o quanto antes.
― Como assim? O que devo fazer?
― Quer quebrar o feitiço?
― Sim! Diga-me como.
― Pois bem, de acordo com o feitiço você não pode matá-lo, nem dizer o nome verdadeiro dele.
― Isso eu sei.
― Porque senão você morreria com ele simultaneamente...
― Disso não sabia.
― Não me interrompa – retrucou Alirian, levantando-se e andando de um lado para o outro. – Você vai ter que encontrar a Flauta de Prata que está na terceira montanha excelsa no Reino de Tanatus. Mas para chegar lá você vai ter que, primeiro, passar pelo Bosque da Vaidade e depois pelo Deserto da Esperança. Não se deixe seduzir pelas Ceifadoras da Luxúria, que ficam no Bosque da Vaidade e nem pelas Aparências, são mulheres que tentarão te ludibriar, mas você terá que usar o Escudo da Verdade, ele te protegerá.

Seguiu um pouco para perto de mim.
- Tome. - ela estava me entregando um escudo de bronze. Havia o desenho de uma estrela de seis pontas na frente dele. E dentro estava escrito: Dei Sanctis. Coloquei-o no meu dorso como uma daquelas mochilas transversais.
― No Deserto da Esperança ― ela deu seguimento – tentarão impetuosamente te fazer desistir. Entretanto prossiga para o seu alvo. Na entrada do Reino de Tanatus, haverá uma seta no chão, feche os seus olhos e em hipótese alguma os abra. Dê cerca de cem passos, mas caminhe retamente. Não abra os olhos.

Eu a observava falar e temia dentro de mim. Teria que enfrentar tudo aquilo para ser livre, mas o Homem Sem Nome me encontraria, com certeza.
― Lá você vai encontrar ajuda para auxiliá-lo na busca pela Flauta de Prata. E uma coisa que você deve saber é que o Homem Sem Nome não te criou. E o que você aprendeu com os livros seculares não se compara com o conhecimento que vai ter de si mesmo nesta jornada. Os livros exprimiam sombras e mentiras, mas você encontrará a verdade pura. Toda a tua existência foi escrita. E no caminho você conseguirá ler todos os capítulos do teu livro. Do livro da tua vida.

Ela disse isso e começou a esvaecer. Ouvi sua voz dizer quase sumindo:
- Você não está sozinho. Eis uma flor e uma rocha a caminho...

A escuridão dava lugar aos primeiros raios de sol...
Capítulo 4 - 18/07

“A jornada começa com o primeiro passo.”

Voltei para meu lar ainda ressabiado com tanta informação. Como seria natural se eu simplesmente saísse de casa, com aquele escudo nas costas. Não sabia para onde ir. Que lado da rua tomar. E já estava na rua. Fiquei devaneando na calçada quando percebi uma coisa. Na frente da minha casa havia um cara chamado Arqueiro. Ele era um tipo esquisitão. Recluso no seu mundo. Ele me observava da janela do seu quarto, na parte de cima da casa, naquele momento. Daquela distância pude perceber, mesmo sem saber como fiz aquilo, que seus olhos ficaram vermelhos. E depois voltaram ao normal. Ele estava estático. Devia ter a minha idade, dezessete anos. Abriu a janela e disse:
- Eu sei o caminho.
- O quê? Do que você está falando? ― falei tentando disfarçar, mas acho que ele leu meus pensamentos.
- Eu já sei o que você vai ter que fazer. Eu sou sua ajuda. Eu sou a rocha.

Continuei observando-o, ele desapareceu da janela. Pouco depois estava saindo pela porta da casa, vindo em minha direção.
- Vou com você. - era um rapaz moreno escuro, cabelo negro curto. Trajava uma camiseta azul com os dizeres “shut down me, please”, calça rajada e tênis all-star. Usava óculos. Tinha hipermetropia.
- Eu sei o caminho. A fada branca esteve aqui e me disse para onde irmos.

Ela aparecera para ele também? Mas por quê? Por que não disse tudo para mim? Por que raios eu teria que levá-lo comigo? Quer dizer, ele me guiaria, mas...por que ele?
- Ela me chamou porque disse que sozinho você não iria conseguir fazer tudo. Você teria que começar a quebrar o feitiço, desde o momento em que pisasse fora da sua casa.
- Tá, tá, tudo bem. Então, para onde vamos?
- Nós devemos ir contra o sol nascente. Podemos observar melhor o caminho se o sol estiver atrás da gente. Ela disse que haveria perigos.

Fiquei mais confuso. Pensei que teria que fazer tudo sozinho e agora tenho que ser guiado por uma pessoa que nem conheço. Tá certo que o cara era meu vizinho da frente. Mas eu não era do tipo popular. Eu era mais anti-social. Ficava sempre no meu mundo, fazendo a vontade do meu p..., do Homem Sem Nome.

Começamos a andar. Nós não nos conhecíamos e devido à imensa dimensão da falta de intimidade ficamos em silêncio por um longo tempo. Algum tempo depois ele se soltou:
- Eu amo uma loba - disse.
- Como é? - perguntei sem entender.
- Eu amo uma loba. Uma vez uma loba entrou pela porta do meu quarto. A luz da lua banhava o lugar. Podia ver as sombras dos móveis. A janela entreaberta. A porta se abriu lentamente e ela apareceu. Ela veio até a beira cama e ficou me estudando. A minha primeira reação foi de medo. Uma vontade incomensurável de gritar. Depois eu percebi que ela não tinha intensão alguma de me machucar. Seus olhos eram castanhos, pareciam mais úmidos do que o normal, como se carregasse um choro contido. Parecia ter uma história para contar. Seu pêlo era meio amarronzado. Soprou seu hálito no meu rosto. Carregava um cheiro doce de amoras. E logo saiu do quarto mansamente. Dias e dias a fio pensei naquela loba. E todas as noites aguardava que ela retornasse. Não sei como ela entrou e nem porque viera. Eu sempre esperei ela voltar, desde aquele dia não sei o que houve, mas às vezes meus olhos ardem.
- Nossa! Que...que esquisito, né!? – eu disse ceticamente.

Durante o caminho fui contando o que sabia da minha vida para Arqueiro. Ele me escutava com bastante atenção. Às vezes parecia entender, ou saber o que se passava comigo. E outras ficava olhando o horizonte se perdendo dentro da sua mente. Ele escondia algo. Eu percebi. Queria perguntar a ele se sabia que seus olhos ficavam vermelhos, todavia achei melhor não. Não era uma hora muito apropriada. Pois acabávamos de perceber que havia alguém nos seguindo por entre os pinheiros da alameda. Eu falei baixinho para Arqueiro para que diminuíssemos o ritmo da caminhada. Eu consegui ver de soslaio que a pessoa por seu turno fizera o mesmo.
- Vamos começar a andar para trás. Devagar. No três começamos a correr na direção do quinto pinheiro. Tudo bem? - disse ao meu parceiro de jornada.
- Tudo bem, pode contar.
- Um...dois...TRÊS!!!

Começamos a correr e a pessoa que nos seguia também, só que para o caminho contrário. Para nossa sorte ela tropeçou numa pedra e caiu. Foi aí que a alcançamos.
- Quem é você? - perguntei.
- E por que está nos seguindo? – completou Arqueiro.
- Calma, rapazes, sou só uma garotinha indefesa. - disse ofegante, com um ar de deboche nossa perseguidora- Calma aí. Meu nome é Dill. Eu sei o que vocês pretendem fazer e acho que posso ajudar. Eu tenho o dom de ver espíritos. Menos aqueles que são muito poderosos. Sei da sua jornada e quero ajudar. Era uma garota de aparentemente dezoito anos. Cabelos pretos lisos até a altura do pescoço, bem amarrado, formando um belo rabo de cavalo. Estava com uma calça preta, apertada. Uma camiseta baby look branca com um colete preto. E usava bota de couro cano longo.
- E por que estava andando escondida? - indaguei.
- Já passou pela sua cabeça que eu não gostaria de ser vista? Sabe o que significa a palavra perseguir?
- Que menina grossa!
- Ok. Eu não sabia como me aproximar. Eu tive um sonho. E neste sonho eu deveria estar nesta rua e seguir dois rapazes. Eu acredito nos meus sonhos. Às vezes são visões do futuro. Mas no sonho, desta vez, eu ouvi um nome. Nunca tinha ouvido este nome. E meu corpo tremeu freneticamente depois de ouvi-lo. Acordei transpirando sem parar. E não consigo pronunciar o nome. Mas... e aí? Posso ir com vocês? Também quero saber por qual razão tive este sonho. E quem sabe matar uns vampirinhos ou lobos da noite. Sou caçadora de espécies fugitivas do País da Ilusão. Mas como sou aprendiz, não posso usar as armas apropriadas.
- Tudo bem, vamos lá. Talvez precisemos mesmo de ajuda. Não sei o que nos espera. Arqueiro, qual o caminho?
- Tem um bosque ali na frente. A fada disse que teríamos que atravessá-lo.

E foi assim que deu início minha equipe. Cheguei a pensar que tudo não passava de uma peça que minha mente pregava, pois não compreendia como havia naturalidade em seus rostos falando de vampiros e fadas, e de uma peregrinação para que eu fosse curado de um feitiço. Eu nem conhecia aquelas pessoas.

Não sabíamos ao certo o que nos esperava. Arqueiro era bastante suspeito, ele escondia um segredo que eu iria descobrir e Dill era esbelta e exalava um ar de guerreira, uma típica pessoa que não se importava com mais nada, além de si própria. Éramos um grupo estranho, mas pelo menos eu tinha o escudo para me proteger.
- O que vocês trouxeram para comer? – perguntou a garota.
- Não pensamos em trazer nada.
- Idiotas! Precisamos de comida, vamos assaltar aquele velhinho que está vendendo cachorros-quentes.
Eu olhei para os olhos do Arqueiro que me devolveu o mesmo olhar. Demos de ombros e roubamos a comida e partimos para o bosque. O velhinho não se moveu do lugar. Não reagiu. Deu-me até um sorriso antes de eu lhe virar as costas. Será que tudo estava mesmo escrito?

Depois de andarmos por algumas horas paramos para descansar. Arqueiro sentou-se numa árvore caída, enquanto Dill subia numa árvore para ver melhor as coisas. Dei uma volta e depois retornei pelas costas do Arqueiro. Ele escrevia algo num caderninho de bolso. Se não me engano era mais ou menos assim:

No mais alto dos céus
Nossas almas se acendem
Com sangue e ira um vermelho ardente...
Arrancado à força de um cadáver ainda quente
Almejamos seu fim e miramos seu coração,
Pela minha mão negra os mortos se erguerão!
Pelos corações perdidos e cheios de horror
E todo aquele que o correto tentar barrar
arderá em chamas quando o meu poder enfrentar.

Mas quando tudo parecer perdido
Na guerra da luz
Olhe para as estrelas
Para o brilho da esperança que reluz
Com os corações cheios de força
Das cinzas os mortos se erguerão
E eis que nenhum mal escapará à minha presença
Eis o destino final!

Um pensamento: Algumas pessoas nasceram para serem regidas, outras para fazerem a batuta movimentar-se.
Capítulo 5 - 26/07

Dill corria na frente, desesperada, enquanto atrás da mim vinha um Arqueiro arfante. Eu fazia o mesmo só que desajeitadamente, pois aquele escudo me pesava nas costas. O bosque estava sombrio apesar de ser dia e uma neblina espessa dificultava a corrida, a qualquer momento podíamos bater de frente com uma árvore. Dois minotauros vinham atrás de nós com arcos e flechas. As árvores nos ajudavam desviando as setas que eles desferiam. Eu pude ver de relance, ainda não acreditava que eles existiam de verdade, parecia sonho, ou pesadelo.

Corríamos dos minotauros como gazelas de um grupo de linces. Dill era a mais ativa, corria mais que a gente. Já quase sumia das minhas vistas. Entretanto tudo desandou quando Arqueiro decidiu cair contra sua vontade numa armadilha. Só pude perceber isso quando me pediu ajuda e gritava feito uma garotinha. Ele estava pendurado numa árvore de cabeça para baixo, com pé esquerdo amarrado àquela. Não havia mais como fugir e eu não o deixaria sozinho naquela situação. Dill sumira, mas ainda ouvia seus passos, correndo incessantemente.

Os minotauros chegaram, não parecia que haviam corrido tanto. Nem ofegavam. Tinham uma aparência que me dava calafrios. Eram como homens fortes, como aqueles que praticam fisiculturismo, com o detalhe da cabeça ser de um touro. Uma cabeça preta, cujo focinho estava úmido e seus olhos pareciam de homem. Os chifres eram afiados como uma faca. Eu gritava feito louco para que saíssem de perto de nós. Eles se entreolhavam e riam. Era muito esquisito perceber um riso num touro com corpo de homem (ou seria um homem com cabeça de touro?), todavia sei que riam. E percebi que conversavam, não entendia a língua que eles falavam, mas não nos atacaram. Ao contrário. Soltaram meu amigo. Empurraram-nos para que andássemos, queriam que fôssemos na frente deles, para onde eles queriam ir. Seguíamos agora por uma neblina densa, que mais à frente foi se desfazendo. Um acampamento foi se formando à medida que caminhávamos. Eu e o Arqueiro nos olhávamos sem entender. Entramos no acampamento e as pessoas/coisas foram parando de fazer o que faziam para nos observar. Vários minotauros nos olhavam com desdém. Outros seguravam toras de madeira, e ainda outros cortavam árvores. Mas não havia só seres desta espécie. Eu estava preocupado com Dill, onde ela estaria agora? Também podia ver esquilos, coelhos e cervos, que carregavam trigo no dorso e ursos cinza, que faziam buracos no chão, ainda não sabia para quê, mas logo descobriria.

A neblina já havia se dissipado completamente. Quando chegamos próximo a algo que se parecia com um altar, um outro minotauro trazia Dill. Ele a carregava no ombro, enquanto a garota se debatia e soltava imensos palavrões inenarráveis e socava as costelas do mesmo. Ele a jogou no chão, ela urrava feito louca dizendo que ele não sabia com quem estava lidando, uma cara brava que só. Quando se virou nos viu e ficou muito feliz. E nós também. Mas não houve abraços. Mas pelo menos sabíamos que todos estávamos bem e juntos de novo. Passamos pelo altar e fomos para uma coisa que se assemelhava a uma cabana. Uma pequena cabana de madeira. Os minotauros nos levaram até um ponto, em frente desta cabana. Não havia porta, nem janelas lá. Entretanto podíamos discernir um vulto lá dentro. E ele estava saindo.
- Você?! - gritou Arqueiro, andando lentamente em direção à cabana, afastando-se de nós.

Não podia entender o que se passava na cabeça dele naquele momento, mas parecia feliz e simultaneamente receoso. Quem seria aquela figura que acabara de sair da cabana? Pela dedução descobri que era a loba que Arqueiro vira uma noite dessas. A mesma que lhe soprara no rosto.

Aquela que ele amava.

- Sejam bem-vindos, amigos. - disse olhando para mim e Dill. - Olá, meu querido. – falou sorrindo, virando-se para Arqueiro.
- Olá. - respondemos eu e Dill.
- Meu nome é Flicsotera, sou a guardiã do Bosque Cinzento.

A mente do Arqueiro girava feito um turbilhão. Um tufão de sentimentos, uma loucura insana, se é que você consegue pensar no que seria uma loucura insana, mas falei só para que você entendesse a redundância. Estava cheio de perguntas e ela tinha as respostas.

Enquanto isso uma multidão de animais e seres míticos se reuniam ao redor. Lobos, cervos, ursos, pingüins, cavalos, leopardos, mais minotauros, cérberos, elfos, dríades e ninfas. Muitos seres. O tempo parecia ter parado, pois não escurecia, nem ficava claro demais. Não estava muito quente, nem frio. Saímos de manhã da nossa cidade, e o tempo era o mesmo. Meu relógio não marcava nada. Eu também me perguntava, neste ínterim, porque aqueles minotauros estavam correndo atrás da gente atirando flechas? Mediante a prerrogativa de que Flicsotera parecia ser uma loba do bem, eles também deveriam fazer parte do grupo dela. Mas as aparências enganam, talvez nem sempre. Eu tinha dúvidas.

Flicsotera era uma loba grande, com grandes olhos vermelhos, com o pêlo amarronzado, patas grossas, muito robusta, ciente de si, com uma força e sabedoria confirmadas pelo seu jeito de se portar, seu modo de andar e de falar. Era confiante e sempre sabia o que estava fazendo. Ostentava um colar com peças mais valiosas do que aquelas que existem no outro mundo. Pedrinhas brilhantes que não refletiam a luz, pois tinham luz própria. Pareciam pequenas estrelas.

Naquele momento a loba subiu no altar e nos contou uma história inacreditável. Ela contaria uma história que mudaria a visão da jornada.
Capítulo 6 - 02/08

Flicsotera por fim contou-nos a história...

“No começo de tudo, Gaya, que vocês conhecem por Terra, dormia silenciosamente no espaço, até que algo no infinito subitamente aconteceu. Gaya observou uma luz grandiosa vinda de longe traspassar seu ventre. Daquele dia em diante, ela sentiu despontar dentro de si pequenas gotas de algo que não tinha cor, nem cheiro, nem sabor, e aquela gota foi crescendo e se multiplicando, e logo corria para lá e para cá seguindo suas veleidades. Ela deu àquilo o nome de água. Da água brotaram seres que, durante muitos e muitos anos, foram tomando forma e povoando as extremidades de Gaya. Surgiram também os montes, as árvores, as plantas, as flores, os bosques, grandiosas florestas e cachoeiras majestosas. Aqueles pequenos seres do princípio ficaram tão grandes que quase alcançavam as nuvens. Gaya deu-lhes o nome de sauros. Havia sauros de vários tamanhos, cujos pescoços eram demasiado grandes e aqueles que voavam com amplas asas. Alguns se alimentavam do que a terra servia e outros, da carne”

“Tudo ia bem até que um dia uma grande estrela escarlate incidiu violentamente no centro de Gaya. Houve um estrondo colossal que todos os cantos do corpo dela puderam ouvir e sentir. Uma enorme nuvem de poeira se levantou. Gaya sentia dores incomensuráveis. E por dias, meses e muitos anos a poeira não baixou. As plantas morreram e os sauros que dependiam das plantas também e os sauros carnívoros do mesmo modo. Sem a luz do sol nada vivia. A semente do mal havia entrado em Gaya.”

“Chegaria o dia em que todo o pó que adejava até às altas nuvens por fim cessaria. Gaya apresentava um aspecto muito feio, sem cor, lúgubre. Outra luz do infinito veio como um raio atingindo seu ponto vital. Todo o pó se extinguiu. As dores foram minguando, suas pálpebras se erguiam, sua respiração emergia de si como quem não quer desistir de tudo. Gaya se levantava e olhava para o alto, com a intenção de tocar o que não via, a fim de agradecer. A vida recomeçava. Ela estreou seu despertar numa terra nova, e assim as plantas uma vez mais, e os rios reiniciaram o curso que haviam parado. Todavia algo muito diferente acontecia com a mãe terra. Ela deu início à concepção de seres menores e totalmente diferentes dos sauros, desta vez eram muitos, milhares, milhões. Coelhos, castores, lobos, cavalos, águias, corujas, uma vastidão de insetos... ela não sabia quando aquilo iria parar. E lhe saíam do ventre todo tipo de espécie. Por último havia um rebento estranho, um ser majestoso, de uma aparência bela, o último que saiu. Ela deu a ele o nome de Homem. E no momento em que o Homem surgiu, desceram do céu miríades de seres alados, com aparência de homem. E eles contaram ao Homem o que havia ocorrido no céu. Disseram que uma grande guerra entre anjos ocorreu. Um anjo chamado Portador da Luz deixou brotar dentro de si a maldade. Ele persuadiu os outros anjos de que eram maiores do que o grande Aumait, o deus eterno, criador de tudo. E Aumait não os deixou, os anjos que falavam, guerrear contra as hostes rebeldes. Todavia lançou aqueles na terra. Eram a estrela escarlate. E agora Aumait decidiu armá-los, os homens, contra os futuros ataques do Portador da Luz, pois eles iriam vir. Ele concederia um poder que não viria deles próprios, mas Dele. Asas, chifres, força, destreza, armas de guerra como arcos e flechas, lanças, espinhos dos próprios punhos, luzes que queimam poderiam sair dos seus olhos, audição extrema, super-olfato, tudo o que fosse necessário para se defenderem no último dia. Alguns deles poderiam se unir a algum tipo de animal e se tornar um, se assim o quisessem. Isso foi o que dissera o anjo anunciador. E depois subiram aos céus.”

Flicsotera respirou um pouco e observou todos ao redor, cujos olhos brilhavam por ouvir coisas tão importantes.

“Durantes milênios viveram em paz. Até o dia em que Portador da Luz se intitulou Rei de Tanatus, que quer dizer rei da morte. Pois Tanatus é a ausência da vida. E quis dominar a Terra. Ele conseguiu recrutar demônios, bruxos e feiticeiras, espíritos malignos, dragões, lobos e lobisomens, vampiros, ogros, e grandes cães do Calabouço do Seol, os cérberos. Também os terríveis gigantes, conhecidos como P.E.K.K.A. Eles vieram com toda a sua armada contra os homens que viviam na terra, assim como contra os animais pacíficos. Era a primeira grande guerra.”

“Portador da Luz tinha seis líderes, seus protetores, aqueles que o resguardavam como os cavalos, a torre e o bispo protegem o rei no xadrez, os peões eram os recrutas. Verin, o cavaleiro do norte, era um poderoso bruxo, e a amazona do sul, Pérolasky, a vampira caçadora; a torre do norte, Kattagarian, o grande dragão vermelho e a torre do sul, Lenobia, o imponente espírito lilás; o bispo do norte, Shintaro, o lobo da noite e Arthemis, um maligno anjo belo, era a bispa do sul. Eram esses que seguiam Portador da Luz na guerra, comandando milhares de seres do mal.”

“E os que amavam Gaya não tinham proteção contra um adversário tão poderoso. Mas lembraram-se do que os anjos disseram no dia que o Homem nasceu. O Homem, que depois passou a chamar-se Odam, o Primeiro, usou da magia de Gaya e dos anjos para fazer brotar mais homens, e surgiram vários homens e mulheres, que amaram os animais, ficando coesos a eles, fundidos, interligados, um só, o homem e seu animal. Foi daí que surgiram os homens-gavião, os homens-leão, grifos, unicórnios, quimeras, minotauros, centauros. Todos lutaram juntos.”

“A guerra se deu num local que depois veio a chamar-se Vale de Ossos Secos, isso por causa dos corpos que ficaram lá depois da grande guerra. O céu estava negro, mas a lua estava cheia clareando o lugar. O primeiro ataque partiu de Tanatus. Dragões cruzaram os céus, acima dos filhos de Gaya, expelindo chamas. Todos correram de um lado para o outro, outros tantos morreram carbonizados. Os homens-gavião partiram para o ataque aéreo contra os dragões, perseguindo-os e atirando flechas envenenadas naqueles, que tombavam no chão. Os homens eram inteligentes e rapidamente fizeram uma catapulta, e lançavam pesadas pedras nos peões do Portador da Luz, que morriam esmagados.”

Não quero me ater aqui a narrar os fatos com minúcias, visto que a guerra é algo aterrorizante. Irmãos morrem, assim como os amigos. No final, os filhos de Gaya venceram e tiveram o direito de viver abertamente nas florestas, bosques, montes, e crescer e se multiplicar. Homens, semi-homens e animais. Os peões que sobreviveram foram lançados no Inferno. Portador da Luz e seus comandados foram obrigados a viver eternamente no Calabouço do Seol através de um feitiço da grande Fênix. Mas alguém quebrou a magia. Os homens pelejaram com os semi-homens, que se viram obrigados a viver escondidos com os animais. E pelo outro lado, alguns seres maléficos conseguiram escapar do Inferno. Alguns lobos se tornaram bons, assim como alguns animais de Gaya se lançaram para o outro lado. Aumait colocou um símbolo nos homens que queria para poder saber quais eram os seus guerreiros na futura guerra. E eis que vejo três aqui na minha frente hoje.”

Após estas palavras todos os olhares só tinham um destino: nos três jovens que haviam acabado de chegar ao acampamento.

Capítulo 7 - 07/08

Foi assim que tudo começou. Essa era a história que eu não sabia. Ficamos ali, observando Flicsotera contar tudo. Alguns impactados, outros já a tinham ouvido antes, mas toda vez que uma história destas é contada um arrepio brota na alma. Dill se alegrou quando a loba falou sobre a futura guerra, pois sabia que poderia aplicar o que havia aprendido sobre lobos e vampiros. Ela pensava em como os mataria, já tinha aprendido bastante na escola como dissecar morcegos, vampiro não deveria ser diferente. Se é que haveria tempo para estudar o corpo de um vampiro. Talvez de um lobisomem. Já ouvira falar que eram seres de três metros de altura e adoraria cavalgar em um. E não sei do Arqueiro, parecia não ouvir o que Flicsotera falava. Estava absorto, essa era a verdade. Mergulhado tão profundamente nas águas da sua mente que nem parecia ter uma alma viva naquele corpo. Seus olhos tentavam desvendar a loba, tentavam entender, criava perguntas sem fim. Minha cabeça estava a mil. E ainda mais quando ela nos contou que tínhamos a marca de Aumait. Que marca seria essa? E o que nos esperava? Eu tinha um propósito. Tinha que me libertar do feitiço, não teria tempo de participar de uma guerra que não era minha. Eu teria que dar um jeito de sair dali. Tinha que seguir meu caminho. Flicsotera percebendo minha perturbação aproximou-se e disse:
- Esse é o destino de vocês. Tudo está escrito.
- Flicsotera, sinto informar, mas temos algo a fazer. Não acredito no destino. Eu fui enfeitiçado e tenho que seguir o que a fada branca me disse. Tenho que pegar a flauta de prata. Eu faço meu caminho. Não posso ajudar, aliás eu nem saberia como ajudar.
- Anjo, meu mano, quer dizer, meu filho, tudo está escrito. E se você tem que ter essa flauta, então vai conseguir independente do caminho.
- Flicsotera, por que você foi ao meu quarto? - interrompeu Arqueiro.
- Bem, querido, eu sabia que você iria me fazer esta pergunta, cedo ou tarde. Você era um dos escolhidos e eu precisava te proteger. Daquela vez eu soprei no seu rosto, lembra?
- E como poderia esquecer?
- Bem, eu tive que fazer aquilo para poder ver com os seus olhos. Através daquele sopro eu pude ver o que você via – a loba dizia de uma forma que hipnotizava -, quando seus olhos ardiam, ficando vermelhos era porque eu estava vendo por trás dos seus olhos. Eu precisei fazer isso para sua proteção. Eu saberia se algum perigo se aproximasse.

E neste momento um elefante trazia envolto em sua tromba, amarrada, uma hiena, cujo nome era Mousetrap. Flicsotera olhou para aquela cena e virou-se novamente para Arqueiro dizendo:
- Mousetrap estava seguindo vocês, preparava uma cilada. Descobrimos que ele é um espião do Portador da Luz. Este ser almeja matar vocês. E os minotauros que trouxeram vocês aqui, na verdade estavam lhes protegendo. Fazendo com que vocês seguissem o caminho para chegar aqui, enquanto outros de nós perseguíamos o traidor. Agora pegamos este servo do mal. Ele tem que ser cortado da vida, pois não pode se converter mais de uma vez, visto que antes era dos nossos.
- Como pode fazer isto Mousetrap? - indagou a loba para o espião.
- Deixe de ser idiota, sua loba suja. Portador da Luz sabe de tudo, e todos vocês serão destruídos se não matarem estas crianças.
Um urso deu-lhe uma bofetada, fazendo-o sangrar. Mousetrap encarou o urso e cuspiu o próprio sangue no rosto do seu agressor. Quando o urso ia dar-lhe outra bofetada a loba ergueu a voz:
- Chega! Todos nós sabemos o que fazer.

Todos os que estavam próximos do traidor fizeram uma roda e lançaram Mousetrap no meio, não havia para onde ele correr. Flicsotera foi em direção ao círculo com o seu andar singular, como de um leão, fazendo seu papel de líder impávida. Os participantes do círculo abriram espaço para ela passar. Mousetrap estava tremendo exaustivamente. Olhava para todos os lados com bastante medo. Quando a loba entrou na roda ele não conseguiu encará-la, baixou os olhos. Os animais foram fechando o círculo até o ponto de eu não poder ver o que ocorria lá dentro. Mas subitamente ouvi uns rosnados, como se alguém estivesse sendo sufocado, depois o silêncio. Um silêncio abissal. Flicsotera ergueu a cabeça, pude ver, e deu um uivo bem alto. Os animais foram saindo lentamente, cada um para o seu lado, e logo depois veio Flicsotera, com sangue na boca. Quando ela saiu da frente pude ver, Mousetrap estava com o pescoço destroçado. Depois disso veio um urso, pegou o cadáver e jogou no buraco que estava fazendo quando chegamos. Aquilo que cavavam quando chegamos era uma cova.

Flicsotera nos informara que havia se passado um dia. E agora faltavam dois para que o Homem Sem Nome fosse liberto do Calabouço em que a fada o havia jogado. Não sei como ela sabia destas coisas. Será que ela conhecia a fada branca, Alirian? Teríamos que nos preparar para o ataque dos caídos. Eu só tinha meu escudo, entretanto a loba ordenou aos minotauros que fizessem duas espadas, uma para mim e outra para o Arqueiro. E deu um arco para Dill. Percebi que a única liderança que havia ali era a da loba.

Eu acabei recebendo uma espada bastarda e Arqueiro uma espada de duas lâminas. A princípio ele queria o arco, mas achou que uma espada de duas lâminas era bem melhor. Só faltava aprender a manejá-la. Mas fiquei surpreso quando a espada chegou às minhas mãos, era leve e parecia que eu já tinha usado uma antes. Comecei a cortar o ar com destreza. Arqueiro da mesma forma, ficou brincando com sua espada de duas lâminas como um expert, cruzando-a de um lado a outro. Da mesma forma Dill. Não sabíamos como, mas era como se já tivéssemos a destreza de empunhar aqueles instrumentos.

Eu me distanciei um pouco de todos. Deixei Dill e Arqueiro falarem sobre a guerra com Flicsotera. Caminhei um pouco pela floresta. Ficava questionando sobre mim, e sobre um monte de coisas que estavam acontecendo. Cheguei a me perguntar o que era de fato a verdade. Sobre o fato de eu ser de verdade ou se era um personagem de um livro. Não sabia por que começara a ficar daquele jeito.

“Você não acha que há algo relativamente maior que a vida que vivemos? Como um segredo por trás da vida? Não sente isso?”

“Quando você conhece um caminho e sabe aonde ele vai te levar e esse lugar é bom, é um lugar de descanso. E mesmo sabendo disso você se desvia dele, por que se faz isso?”

“Você sabe o que deve ser feito, mas faz o oposto. Como se uma força oculta que te impelisse a fazer o que não quer, e ir para onde não que ir?”

“Mas... o que é a verdade? Não seria apenas um julgamento que foi aceito pela humanidade à medida que o tempo passou? Ela é tangível? Ela pode ser medida? É como se eu fosse uma criança que acabara de nascer, sem qualquer informação, vazio, com um cérebro intacto, pronto para ser preenchido com conhecimento. Sem saber direito o que é certo ou errado, sem saber o que é a verdade.”

Voltei depois dos meus devaneios. Aproximei-me dos meus amigos. Estávamos reunidos no meio do acampamento, quando veio da direção norte um amontoado de seres. Não vou ficar repetindo aqui toda hora os tipos que apareciam, mas atenham na memória que os bosques eram recheados de seres fantasiosos. A loba se pôs em cima do altar, observando fixamente todos que chegavam. Flicsotera parecia sorrir ao ver mais de perto quem chegava. Então entendi que eram aliados. Eles estavam armados. Preparados para a guerra.
- Seja bem-vinda amiga Flora.
- Olá, amiga Flicsotera, viemos nos reunir a vocês para a hora esperada.
- Sim, que bom que trouxe velhas amigas. Olá, Ghabi, Nirzia, Yannisu. - ela abraçava cada uma quando dizia o nome.
- Mas não vejo aqui Rosenrot, onde ela está? - indagou a loba. - Ela está do nosso lado?
- Confesso que não sei Flicsotera, não a vejo há dias.
- Logo ela que quer sempre aparecer, e neste momento some. Espero que não tenha pulado para o barco errado.

Flora era uma águia, com olhos azuis e asas opulentas. Nirzia era uma coruja alvinegra que podia ver tudo ao redor de si. Ghabi era um centauro-fêmeo, cuja cor do corpo era dourada. E Yannisu uma pantera negra. Atrás delas havia outros seres, mas não pareciam ser tão importantes quanto estas. Agora restava saber quem era Rosenrot. E de que lado ela estava.

continua...
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Qui Dez 15, 2016 6:21 pm
Capítulo 8 - 16/08

Nota: A partir deste ponto há uma necessidade de fazer o narrador se transformar em terceira pessoa.

Arqueiro estava à beira do riacho, distante de todos, pensativo. Estava chateado, pois sentia que fora usado pela loba. Sentou-se numa borda do riacho e começou a jogar pedrinhas na água. Aquela parte do bosque era mais aberta. O sol brilhava majestoso sobre as límpidas águas correntes. O canto dos rouxinóis era agradável aos ouvidos. E o som da água correndo, batendo nas pedras era relaxante. Subindo mais um pouco o olhar veria uma linda cachoeira. Hesitou um momento em querer chegar lá em cima, mas ali já estava bom o bastante para ele.

“Não acredito que fui usado, ela me enganou. E eu aqui, apaixonado, escrevendo poemas para ela. Fantasiando idiotices pueris. Droga! Queria não estar aqui.” pensava.

Ele ouviu o som de um pequeno galho sendo quebrado atrás de si. Virando-se bruscamente viu Dill.
- Droga, queria te dar um susto - e riu da piada que não teve efeito.
- O que você está fazendo aqui?
- Ei, gatão, qual é? Venho aqui te paquerar e é assim que me recebe?
- Fala sério. Me paquerar? Você é cheia de gracejos.
- O que houve contigo? Por que saiu da festa?
- Que festa? Só tem um bando de animais falantes lá. E uma loba enganadora. Lá não é lugar para mim. Estava pensando em voltar para casa. Acho que minha missão já foi cumprida. Anjo vai achar o caminho que precisa seguir, agora que tem muitos amigos - disse o garoto com desdém.
- Sabia que te acho o maior gatinho? - Dill sentou-se ao seu lado, desviando o assunto.
- Sei – disse fazendo cara de quem não acredita. - O que quer aqui? Por que de fato veio conosco?
- Tudo bem, já que não quer bater um papinho romântico... bem... eu queria mostrar uma cabeça de vampiro para minha principal rival na escola de assassinos, a Paticy. Ela acha que não sou capaz de matar uma mosca.
- E precisa se expor assim? Só para mostrar para uma pessoa que nem amiga sua é de que é capaz disso?
- É. Ela é tipo a líder da turma, popular, bonitona. Eu era a mais inteligente do colégio, mas quero quebrar esta visão da CDF que não tem vida social. Quero mostrar a ela que sou interessante.
- Mas eu já vejo isso em você. E olha que não tem nenhuma cabeça de vampiro na sua mão.

Os dois riram. No fim pertenciam ao mesmo grupo social. Arqueiro era o aluno que sempre tirava dez. Não tinha amigos. Amava escrever e colocar na internet o mundo que criava na sua cabeça. Adorava escrever poemas. E por achar que seu mundo era mais real do que a própria realidade, taxavam-no de louco, insano. Dill usava lentes para não dar na cara com os óculos. Se usando lente já era excluída, imagina com aquele fundo de garrafa que está dentro de uma gaveta no armário do seu quarto? Contudo, sinceramente, a lente lhe fazia bem. Mostrava a beleza do rosto que ela sempre queria esconder, apesar de tapar uma parte dele com franjas. Mas eram perceptíveis as feições bem desenhadas da sua face.

No mundo real eram excluídos e reclusos em seus limites. Mas depois que Anjo deu princípio a um mundo onde as regras foram quebradas, somente Dill se soltara. Arqueiro ainda mantinha um pé atrás. Tinha medo. Apesar de não entender ainda como tinha habilidade com a espada de duas lâminas, ele mantinha receio do que estava acontecendo.
- Que tal darmos uma volta? - sugeriu Dill.
- Não. Acho melhor não. Vou ficar aqui. E depois que essa guerra acabar vou para casa, não quero correr riscos.
- Que papo é esse, cara? Eu tô me amarrando. Espero levar o meu troféu para a escola. Vou enfiar a cabeça do vampiro na fuça da Paticy.
- Ei, você disse para a gente que podia ver espíritos, já viu algum por aqui?
- Na verdade verdadeira, eu não posso ver. Estou treinando ainda. É como tentar acender uma vela com as mãos. Tenho que dominar bem a técnica. Mas ainda não cheguei à terceira etapa do curso.
- Ou seja, mentiu para a gente.
- Não veja por este ângulo, eu posso ver, mas não aperfeiçoei a técnica, entende?
- Não, não entendo. Parece que todo mundo gosta de mentir por aqui. Que graça tem ludibriar os outros? Sério. O que você ganha com isso?
- Aceitação. Se eu não dissesse qualquer coisa que me fizesse parecer útil para vocês naquele instante, vocês não me deixariam vir.
- Se falasse a verdade talvez a traríamos.
- Talvez? Aí está meu xeque-mate. O talvez que eu não engulo. Eu odeio ficar em cima do muro. E quando quero uma coisa eu consigo.
- Deixa para lá. Eu quero é ficar quieto. A verdade é como a coisa perfeita que ninguém quer. Todo mundo fala bem dela, mas na hora de trazê-la à tona, ela não aparece, surge apenas um clone mal feito. Uma imagem distorcida do que deveria ser, mas não é.
- Às vezes ela machuca as pessoas. Acho que por isso as pessoas mentem, para preservar o ouvinte. Às vezes é uma questão de sobrevivência.
- Ou para enganar o ouvinte.
- Há casos e casos, Arqueiro.
- Já nem sei de mais nada. E o que é de verdade neste mundo?
- Sinceramente eu não sei de fato.

Os dois se perderam a debater sobre a verdade.

--------------x-------------

Rosenrot era o tipo de espírito que podia entrar em qualquer lugar sem ser percebido. Não era possível saber de que lado do jogo ela de fato participava. Contudo neste momento estava no reino de Tanatus, no Castelo do Portador da Luz, pairando como uma neblina.

O castelo era feito de pedra. De pedras enormes. Fora erigido num monte muito alto. Tipicamente o modelo de um castelo medieval. Tinha quatro torres dispostas cada uma para um ponto cardeal, com tamanhos diferentes. Dois sentinelas que voavam ao seu redor: incansáveis dragões. O topo dos muros, com caminhos de rondas, exibia ameias, que é por onde os defensores visavam o inimigo e seteiras bem dispostas. O interior do castelo era iluminado por pequenas tochas dispostas nos corredores, e por candelabros com velas vermelhas. Tons sombrios recheavam cada canto do recinto. Na sala principal podia-se ver um grande trono negro, onde aos lados havia outros seis tronos menores e outro um pouco menor do que o principal e maior do que os demais, e estava ao lado do maior. Três de um lado e três do outro. E os dois maiores no meio. Um ambiente escuro, onde só se ouviam gargalhadas malignas e uivos. Os tronos neste momento estavam vagos. Mas havia uma milícia de seres maléficos reunidos na sala, toda sorte de aberrações que se podia imaginar. Trolls, demônios, esqueletos com vida, sombras da noite, vampiros, lobisomens, feiticeiros e animais neófitos.

Estavam esperando pelo grande mestre: Portador da Luz. Adentrariam dali a pouco seus seis pilares. Eles estavam em uma sala contígua, aguardando o chamado do mestre. Pérolasky, a vampira caçadora, e Shintaro, o lobo da noite, conversavam, um pouco distante dos outros pilares, à frente de uma janela, onde só podia se ver a lua alvejada numa desmesurada noite cinzenta.
- O que há com sua face, princesa Pérolasky? Parece-me caída.
- Não há nada com que o príncipe possa se ocupar. São coisas de amor. E contra essa força não tenho muito governo – respondeu a amazona.
- Amor? Não exceda em gracejos por aí. Neste ambiente é inconveniente o uso deste termo. Só o acolho devido à nossa densa amizade. Caso oposto eu a denunciaria ao nosso mestre.
- É benquisto este carinho e recíproco. Acaso é um devaneio. Com certa frequência sou acometida por sensações pusilânimes.
- Pois se lhe apetece, conceda-me ser um auxílio nesta doença, pois outro evento não é senão enfermidade – ofereceu-se Shintaro.
- Ai, querido patrício, que estes assuntos são como ondas que sobem e descem, basta para isso uma pequena pedra ser atirada nas águas.

Entravam, neste momento, dois elfos de aparência demoníaca chamando todos para o salão principal, pois iria começar a cerimônia. Os protetores entraram pelo lado esquerdo da grande sala. Todos sérios sentaram-se nos seus respectivos lugares. Um anjo caído soprou um chifre de bode, que berrou ecoando por todos os aposentos o som da destruição, fazendo com que morcegos voassem feito loucos saindo pelas quatro torres. O som diminuiu sua intensidade atraindo todos para o salão principal.

Silêncio.

O mesmo anjo anunciou:
- Que entre nossa realeza, o grande pai, o mestre de todo o mal, Portador da Luz!

Pelo lado direito surgia um homem alto, pálido, com o cabelo liso, num terno vermelho com detalhes negros. Havia um grande par de asas negro em seu dorso. Uma aparência assustadora. Causava arrepio na espinha, mas não pelo que se via, e sim pelo que representava. Todos se ergueram. Ele sentou-se no trono morosamente. Todos tomaram assento. Um trono sobejava vazio.
- Eu ordeno que entre Alias, a futura rainha de Tanatus - disse o grande pai com a voz de trovão. Todos olharam para uma mulher que saía também do lado direito. Aparentemente uma noiva com um vestido curto vermelho e tiara escura. Ela era lívida como a lua, cabelos negros e cacheados e carregava no semblante olhos neutros.

O rei de Tanatus estendeu a mão e fez Alias sentar-se no trono que a ela era destinado. Não foi deslumbramento para ninguém. Foi colocada em sua cabeça uma coroa de ouro, que fez percorrer um brilho em todo o recinto, saindo da esquerda para a direita, cegando momentaneamente os que a observavam. Daquele momento em diante fora estabelecida Rainha de Tanatus. Todos gritaram de êxtase erguendo ambas as mãos. Só estavam seguindo o protocolo. E como no xadrez, naquele instante todas as peças estavam em jogo. Uma coisa interessante de se perceber era que na primeira guerra faltava uma peça: a Rainha. Aquela que justamente poderia movimentar-se para todos os lados agora estava no tabuleiro.

O que queria o rei de Tanatus com aquilo?
Capítulo 9 - 30/08

Anjo estava exausto daquele dia tão estranho. Apesar de ainda ser claro, ele sentia que seu relógio biológico indicava que era noite. Afastou-se um pouco de todos a fim de refletir. Haviam pequenas cavernas próximas ao bosque, de tamanhos diversos. Ele resolveu descansar numa de ursos.

Entrou e procurou o melhor lugar, descansou sua cabeça numa pedra. Colocou as mãos atrás da nuca e olhou o teto da caverna, um pouco iluminada por pequenos vaga-lumes. Começou a perceber o silêncio e respirou mais devagar.
- Você me parece confuso.
- Quem está aí? - levantou-se o garoto todo assustado olhando para os lados.

Primeiro surgiu a voz e em seguida Selene, a fada branca.
- Ah, é você. – disse Anjo já mais calmo, voltando a deitar-se.
- Como vai a tua jornada? Vi que conseguiu conhecer muitas pessoas.
- Olha, Alirian, tudo está mesmo confuso. E não vejo como seguir o caminho no mapa que você me desenhou. Pensava que tudo iria transcorrer do jeito que você disse. Contudo, não consigo sair deste bosque e acabei recebendo o dever de lutar numa guerra que não faz sentido para mim.
- Anjo, a vida sempre corre de um modo que não temos controle - disse a fada aproximando-se dele a afagando os seus cabelos, tirando-os do rosto. - De fato, todo o cronograma do nosso primeiro encontro está comprometido. Mas já não importa o meio, e sim o fim – seus olhos claros estavam fitos nos olhos duvidosos do garoto.
- Estou tão cansado de tudo isso – Anjo falou cabisbaixo.
- Entendo, porém todo sucesso tem seu sacrifício. E já não adianta desistir quando você está tão perto da verdade, da sua liberdade.
- Perto?! Uma guerra se aproxima a cada momento e qual a certeza de que vou sobreviver?
- E quem sabe quando vai morrer? – retrucou a fada branca. – Se as pessoas soubessem quando iriam morrer, creio que o mundo se perderia. Haveria uma grande anarquia, as pessoas não fariam planos. Ninguém se importaria com o amanhã. Já imaginou?
- Mas, talvez, tentariam inventar uma máquina que concedesse a vida eterna, assim não se preocupariam com a morte.
- Mas o problema não é a morte. A todos os homens está destinado morrer uma única vez. E você acha que todos usufruiriam desta máquina?
- E por que não? Acho que todos teriam direito. Somos todos homens.
- Mas nem todos pensam como você. Muitos são egoístas querendo alimentar sua própria vontade, e com o controle desta máquina eles... Isso tudo é hipotético, não adianta ficarmos debatendo sobre uma coisa que não existe – disse a fada afastando-se, andando pela caverna e passando a mão levemente pelas paredes.
- Mas, Alirian, uma vez o Homem Sem Nome disse que eu era de uma matéria chamada sonho. Isso é verdade? Afinal eu sou real ou não? - perguntou o garoto com os olhos úmidos.
- Anjo, nada do que você vê por aqui é sonho. Tudo que seus sentidos podem perceber, é real. E logo, logo você vai se ver livre de toda essa dúvida, de todo esse pesadelo.
- Mas pesadelo não é também um sonho?
- Eu quis dizer numa linguagem figurada, Anjo. Pesadelo como uma coisa ruim que a gente espera acordar e dar fim a ele.
- Ah tá. Entendi. Às vezes duvido mesmo, como se tudo não passasse de uma história. Como se ainda alguém me comandasse tão sutilmente que me faz pensar que não sou eu quem decide o que fazer.
- Pois então vá tirando essa ideiazinha da sua cabeça. Mas... e seus amigos, o que acha deles? - indagou Alirian tentando mudar de assunto.
- São pessoas boas, também querendo se encontrar. A Dill é uma graça, é frágil e ao mesmo tempo muito segura e Arqueiro é hermético, mas parece ter medo de algo. A Flicsotera, a loba, é majestosa e uma grande líder. Parece querer cuidar de todos.
- E o escudo? Está sempre com ele?
- Está aqui do meu lado. Você sabia dessa guerra?
- Sim.
- E mesmo assim me mandou para essas bandas?
- Faz parte do jogo.
- De que jogo você está falando, Alirian?

Neste momento um fauno surgiu na entrada da caverna chamando Anjo.
- Senhor, Flicsotera me enviou a chamá-lo. Há um mensageiro de Portador da Luz no bosque. Ele trouxe uma carta.
- Sim, estou indo. – disse Anjo virando-se para a entrada e desviando a atenção da fada branca.

O fauno saiu correndo em direção ao acampamento.
- Bem, acho que precisam de mim... - quando Anjo virou-se para concluir sua conversa com Alirian não havia mais ninguém lá.
- Ela sempre some.

Anjo seguiu para onde fora chamado. Lá chegando viu Flicsotera e todos os outros reunidos em frente ao altar do acampamento. Ela pediu para que ele abrisse a carta e lesse o que estava escrito em voz alta. Anjo percebeu o selo, suavemente percorreu-o, arrancou-o e abriu a carta.

“Partais destas terras. Sugiro que partais ainda este dia, visto que já tenho planos a realizar. Enviei meu mensageiro a fim de lhes dar uma oportunidade de viver. Contudo, caso permaneçais no meu caminho, passarei por este bosque como uma lava que desce do vulcão. Não sobrará nada com vida. Aceitai esta oferta ou sofrereis as conseqüências do desafio.

Portador da Luz, Rei de Tanatus”

- Esse cara só pode estar de brincadeira. – soltou Anjo.
- Não sairemos daqui. Aqui foi onde Aumait criou o primeiro Homem e foi aqui que tudo começou – disse a loba.
- Diga a esse tal de Rei de Tanatus que não sairemos daqui. Se ele quiser vir, venha. Diga isso a ele – Anjo falou ao mensageiro, que se transformou num corvo e saiu voando dali.
- Anjo, você precisa trazer estas pessoas para o teu lado. - disse Flicsotera numa voz suavemente baixa.
- Mas, do que você está falando? - indagou o garoto no mesmo tom.
- Das sombras que estão atrás de você.
- Que sombras?
- Elas veem tudo através dos teus olhos. Eu posso vê-las, os outros não. Logo você também as verá. São elas que te movimentam, elas que torcem por você, querendo que você consiga o teu objetivo. Sempre alimentando a tua alma.
- E o que é alma, Flicsotera?
- É o que te dá vida. Sem ela você não existe. Se tua alma morrer, tudo aqui morrerá. Nós dependemos de você. Essas sombras são pequenas partículas da tua alma. Estão todas te seguindo desde o começo. Desde a primeira palavra. Você é o motivo de tudo isto. Teus olhos dizem muito. Você já tem a resposta, só não sabe ainda.
- O que você vê nos meus olhos?
- Esperança de encontrar a verdade.

--------x--------

Raios e trovões riscavam o céu do castelo. O mensageiro estava de volta com a resposta. Pousou numa janela, arfante. Voltou ao seu estado humano e se apresentou ao rei.
- E o que disseram aqueles vermes? - indagou o rei.
- Eles não sairão.

O rei saiu do trono e entrou numa sala, na mesma sala de onde saíra na noite da coroação de Alias.

Todos murmuravam entre si: “O que será que o rei vai fazer?”, “E agora? A guerra é um fato?”.

Verin, o bruxo, disse a Arthemis que não havia outra opção, a guerra era certa. Não restavam dúvidas de que o rei atacaria com todo o seu contingente. Todos já tinham em mente o que estava para ocorrer.

Uma coisa a se perceber era que todos os pilares do rei queriam saber de onde havia surgido Alias, eles só a conheceram na noite que ela se tornou rainha. Este era o assunto que corria por todo o castelo, além da guerra.

Isso nos remete há alguns meses, quando Alias, uma jovem arqueóloga, sondava uma área que continha restos pré-históricos quando descobrira uma tábua que continha desenhos de guerra e alguns símbolos toglíficos. Ela percebera que era uma língua muito antiga. Tentou traduzir, e com grande esforço conseguiu. Tratava-se de uma fórmula mágica que libertaria o rei das profundezas do Seol. Ela leu em voz alta, no lugar onde encontrara. Ao proferir as palavras do feitiço o mundo de Tanatus surgia da terra como uma ilha no mar. Alias tentou correr quando o chão que pisava começou a tremer. Correu o suficiente até chegar a um lugar seguro e de lá observou o imponente castelo se fazer. E como era curiosa, decidiu subir um caminho que havia, ele levava às portas do castelo. Lá chegando percebeu que o portão estava entreaberto. Entrou e se viu numa sala escura. Apalpando a parede encontrou um candelabro, acendeu-o com o isqueiro que trazia consigo. A pequena chama iluminou todo o interior do recinto. Os olhos dela percorriam morosamente os quadros nas paredes, depois o piso de mármore bem desenhado, em seguida as esculturas de ébano e por fim um grande trono. Nele estava um ser, parecido com um homem, sentado, com os cotovelos no joelho. Sua cabeça mirava o chão. Alias tentou chamar a atenção daquele ser. Este ergueu a cabeça. Seus olhos estavam vermelhos e súbito sua mão direita estava no pescoço de Alias. Num milésimo de segundo ele já não estava sentado no trono, mas em pé, segurando Alias, erguendo-a pelo pescoço.
- Quem és tu? E porque fui acordado? - gritou o homem
- Olha... sem querer...eu te acordei. Agora..., se puder..., pode me soltar? - Alias disse tentando respirar.
- Ah, então me libertaste - soltando a mulher, que caiu no chão. - Agora aqueles provincianos experimentarão a gravidade da minha vingança. Onde está o bosque de Odam? Ainda existe?
- Não sei do que você está falando – disse Alias passando a mão pelo pescoço enquanto tentava se levantar.
- Não importa. Sou grato a ti. És por acaso uma bruxa poderosa? Ou uma feiticeira?
- Nem um, nem outro.
- Então és uma simples humana?
- Sou. E você? O que é? - perguntou a arqueóloga com as sobrancelhas cerradas.
- Sou um anjo caído, sou Portador da Luz. Tenho um débito de vida para contigo. É hora de despertar meus comandados.

Portador da Luz sentou-se de novo no trono e erguendo as mãos disse:
- Hiretam!!!

Após dizer esta palavra, mãos começaram a surgir do chão, como que querendo subir, saindo de dentro da terra. No entanto seis se ergueram soberanos, em pé, transpassando o chão e ficando em posição de guerra. Eram os pilares. Os outros eram o resto.
- Regressamos! Agora é chegado o ensejo de aniquilarmos toda configuração de bem aparente que existe. - disse o rei.

E dito isso segurou a mão de Alias e a levou para o seu quarto. Alias era jovial, corada, com os cabelos castanhos presos por um diadema. Portador da Luz a convenceu a ficar do seu lado, e assim a tornaria rainha. Ela se entregou a ele, e sua alma já não estava em paz. Ele a enganara. Para sempre Alias havia se perdido, e agora existia somente a Rainha de Tanatus. Foi assim que o mal voltou ao mundo, depois da primeira guerra. Foi assim que a magia fora quebrada. Mas disso os pilares do rei não sabiam.

Após um tempo o rei regressou à sala. E fez um discurso informando que os filhos de Gaya não sairiam da terra:
- Meus servos fiéis de Tanatus, eis que hoje a insanidade da fraqueza fora revelada. Não nos resta alternativa a não ser destruí-la. Aqueles vermes que rio abaixo subsistem não são como nós. São seres frouxos que se entregam aos desejos da pureza e bondade. Este tipo de raça não se compara à primazia com que fomos forjados. Somos fortes, somos belos, somos dotados de uma inteligência sobre-humana. E tudo que ali embaixo existe a nós pertence. Aquela terra é nossa. Nós a merecemos. Tudo que nos fora tirado na primeira guerra, agora será recuperado. Tudo que fora fraturado, será restaurado. Tudo que fora roubado, será restituído. E todos os despojos serão vossos. Povo de Tanatus, não há força que nos impeça, nem fogo que nos queime, ou ataque que nos detenha. Nada nos impedirá. Não ficará pedra, árvore ou ser com vida naquele lugar. Agora, preparem-se! - seus olhos percorriam com fúria incendiando os olhares de todos aqueles que o ouviam - Em poucas horas cruzaremos aquele lugar, e pisotearemos aquelas formigas impiedosamente. Tomem suas vestimentas de batalha. Pois vamos para o que é nosso. E só nos ausentaremos de lá com o nosso desígnio alcançado. Morte para eles! Varram-nos da face da terra!

Gritos e urros foram proferidos na sala. O povo estava em êxtase.
Capítulo 10 - 06/09

Todos foram para seus aposentos, cavernas, cabanas em busca de suas armaduras. Pérolasky entrou em seu quarto seguida de Shintaro. Ela estava triste, com um peso muito grande na alma, como se ela tivesse uma. Entretanto sentia dentro do ser uma mórbida consternação. De fato, Pérolasky nunca quisera ser vampira. Não foi opção sua. Ela havia sido traída por Melkor, o primeiro vampiro. Melkor lhe prometera vida eterna. Pérolasky nunca mais sentiria dor, dúvida ou fraqueza. Disse a ela que era a única mulher que amava. Pérolasky entregou-se a ele sem medida naquela fatídica noite de novembro. Entregou tudo de si sem resguardar nada, não pensava em voltar. Ela o amava como se não existisse mais nada além dele. Era feliz. Como se tivesse borboletas no estômago, como se pudesse realizar tudo que quisesse. Como se pudesse tocar o céu, caso quisesse. Como se nada mais na vida importasse, a não estar ao lado de Melkor. Era assim que se sentia. Ambos seriam eternos. Ambos seriam felizes. Pelo menos era o que se pensava.

Um dia Melkor conheceu Glicya, e seu amor por Pérolasky começou a arrefecer-se. Encontrava-se com Glicya às escondidas nas maiores noites de lua cheia. Deixava de dar a atenção que Pérolasky merecia. Até que um dia ela descobriu tudo. Encontrou os dois jazidos na cama que outrora pertencia a ela e seu par. E num acesso de furor, possuída por uma força descomunal que ela desconhecia, avançou contra Melkor, arrancando-lhe a cabeça, enquanto gritava de ira. E em seguida, com os dentes pontiagudos a postos, e os olhos brancos, desferiu sua boca no pescoço da outra, sugando todo sangue dela. Pérolasky começou a sugar tanto o sangue de sua vítima que esta foi secando, suas forças desapareceram, seu olhar ficou negro, sua boca ficou aberta, como se quisesse gritar, mas já era tarde. Glicya era agora somente um cadáver. Ao retirar sua boca desta, percebera que nenhuma gota saía dos dois furos apresentados no pescoço da mulher. Este era o segredo da angústia que Pérolasky carregava. E esta reminiscência latejava dentro de si. Ela nunca mais conseguiu amar alguém. Sempre teve medo de se machucar novamente ou de colocar o monstro que residia nas profundezas do seu interior para fora. Mesmo depois de oitocentos anos, sua consciência continuava martelando, sempre atenta para que qualquer forma de sentimento de apego aparecesse. Como se houvesse uma sentinela, guardando seu coração de qualquer dor porvindoura.
- Princesa Pérolasky, bem que poderias revelar-me o sentido do peso que transportas. É perceptível que algo te abate amiúde, nada de mim podes ocultar. Contudo insisto. Relate-me o pretexto de sua tristeza. Assemelho-te a um beija-flor que não encontra rosas por onde quer que vá. Sempre cabisbaixo, sem as asas bater.
- Ó meu querido Shintaro, não insistas nessas questões, não desejo amolar-te com meus enigmas. Já disse outrora, são coisas de amor. Não anseio tomar partido nesta peleja. No entanto, já não há outra forma de adiá-la. Desejo perecer, amigo. Estou farta desta vida de solidão. Sinto-me como uma gota solitária no Lago Idiche.

Shintaro aproximou-se de Pérolasky, que estava sentada à beira da cama. O lobo adquirira a capacidade de transforma-se em homem quando quisesse. E neste momento, neste ensejo ele o fizera. Já não mais lobo, mas homem. Sentou-se ao lado de Pérolasky, segurou seu queixo, olhou profundamente em seus olhos e disse:
- Sempre te vi com um outro olhar, princesa. Apesar de ter me querido como amigo, a todo tempo. Quiçá equivoquei-me no tratamento que dispensava a ti. Contudo, vejo o momento e não me restam dúvidas. Tenho que derramar meu coração a ti. Pérolasky, amo-te.

A vampira não teve qualquer expressão de espanto. Não sorriu, não chorou. Seu rosto estava imparcial. Por fora. Intimamente seu mundo desabava. Rios de lágrimas corriam dos seus olhos internos, como cachoeiras, ela queria gritar, queria negar, queria desaparecer. De fato, Pérolasky nutria um sentimento pelo lobo, mas sempre sufocado. O que ela experimentava era como um veneno, do qual sempre procurava um medicamento que amenizasse a dor. Buscava uma panaceia, porém o destino lhe enviava placebos. E agora só encontrava resposta na morte. Não havia outro caminho. Ou confessava para Shintaro que o amava também e arriscaria rasgar-se e expor a anomalia do medo de perder um amor. Ou então se entregaria à morte, pois parecia mais rentável para todos.
- Vá embora, careço ficar só. – disse duramente, sem olhar nos olhos do lobo.
- Mas...
- Nem mais uma palavra. – retrucou, ficando de costas para o lobo, levantando a mão, em seguida apontando para a porta do quarto.

Shintaro saiu do quarto. Pérolasky chorou.

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No bosque de Odam estavam todos a postos. Armaduras, espadas, escudos, cimitarras, arcos e flechas, catapultas, adagas, lanças. Todo tipo de armamento que podiam carregar. Os animais, semi-animais, homens que estavam do lado de Gaya. À frente estavam aqueles animais do qual não devemos nos apegar, e atrás erguiam-se em um pégaso, unicórnio, e cavalo, Anjo, Dill e Arqueiro, respectivamente. Em ponto estratégicos, liderando os seus iguais estavam: Flicsotera, comandando os lobos; Flora, as águias, falcões e gaviões; Nirzia, as corujas, e pássaros de menor porte; Ghabi com os centauros e cavalos; e Yannisu com os felinos. Chegaram depois o líder dos dragões brancos: Newton. E o guerreiro Ouroboros liderando as amazonas zani, raça de guerreiras ases nas espadas. Abro mão de dizer aqui sobre a origem de Ouroboros e seu exército, pois se trata de uma pseudo-história onde o homem governa seu mundo com o poder do seu membro. Ouroboros não era do tipo estratégico, era impulsivo e libidinoso. Era um homem da situação, não gostava de perder e lutaria do lado que pudesse obter vantagem. Não se podia contar com ele, não havia confiança, mas tinha um poderoso exército, isso era inegável.

No lado oposto desta guerra , prontificados no Vale de Ossos Secos, estavam toda sorte de monstros, os peões de Portador da Luz. Milhares de milhares. E atrás, em ordem da direita para a esquerda: Kattagarian, Verin, Shintaro, Portador da Luz, Alias, Arthemis, Pérolasky e Lenobia. Na exata posição do xadrez. Todos aparelhados para a guerra. Portador da Luz, imponente com sua armadura dourada observava o bosque com um olhar altivo, ciente de que em poucas horas tudo ali estaria em chamas, e uma pilha de corpos queimando. Já podia sentir o odor da carne sendo incinerada. Sabia que seus inimigos guerreariam ali, naquele vale, então esperava ansioso para que aparecessem logo.

Em pouco tempo todos de Odam marchavam, passavam por entre as árvores com o intuito de chegar ao vale, e na caminhada até o campo de batalha não derrubaram árvore alguma. Alguns minutos depois já estavam na extremidade oposta do vale. Todos com seus trajes de guerra, preparados, mas ainda assim temerosos, não confiantes. Anjo não temia. Sentia seu corpo leve. Como se a fada lhe tivesse tirado um peso. Ele apostaria nesta guerra para alcançar um objetivo maior. Trajava uma vestimenta negra, porém sólida o bastante para evitar o fio da espada, um elmo protegia sua cabeça e segurava na mão direita a espada que foi-lhe dada, além do escudo no dorso. Anjo olhava o céu. Começava a escurecer. Nunca tinha visto o céu ficando negro no bosque, como se o sol escolhesse aquele lugar da terra para protelar sua luz, mas neste momento, até o sol se escondera. Nuvens andavam no céu, singulares, como se nada mais houvesse a não ser cruzar os ares. Arqueiro evitava pensar na frustração. Vestia uma armadura também negra, com chifres nos ombros e trazia na mão a espada de duas lâminas. Tentava elevar na alma um sentido nobre para aquilo que estava vivendo: “Pela liberdade”. Dill era a mais entusiasmada, com uma armadura cinza. “Olha! quantos vampiros, só preciso de uma cabeça.” Anjo mirou os olhos do Arqueiro, que fez que sim com a cabeça, apoiando-o, depois olhou para Dill e viu força em seus olhos.

Anjo tomou a frente de todos e disse, erguendo a espada:
- Não temam, nem desistam!- gritou enquanto cavalgava seu pégaso. - Tudo que conquistarmos aqui hoje será lembrado na eternidade. Sempre irão falar nas cantigas, que existiu um povo que lutou aqui pela vida. Para anular todo medo que poderia querer invadir a qualquer momento este lugar. É hoje! – todos erguiam suas espadas apoiando suas palavras. Anjo cavalgava para uma ponta até outra enquanto encarava cada um e continuava a dizer. - Todos nós existimos por um propósito. E hoje vocês vão descobrir a razão da vida de vocês. Seus filhos e os filhos dos seus filhos sempre se lembrarão deste dia. – sua voz crescia à medida que as palavras viam à tona, a alma dos homens e animais ali presentes se eriçava e lhes animava. - Dirão nos livros: “Foi neste dia...neste dia que nossa vida ganhou sentido, o dia da nossa independência”. E neste dia irão comemorar. Farão festas para celebrar os heróis que estão na minha frente. VAMOS ESCREVER A HISTÓRIA HOJE! E nessa história estará escrito no final: ELES VIERAM E ELES VENCERAM! Agora, olhem para aquele vale. Olhem para aquele vale! – repetiu com ênfase para que todos olhassem para o vale, onde estavam os inimigos. - Aquilo que está além dele é uma pedra. Aquela pedra quer descer até nós e nos esmagar. E o que faremos com aquela pedra? Hein?! Vamos destruí-la!!!
- Destruí-la! - gritaram todos.
- Então vamos destruir aquela pedra e comemorar a vitória no fim do dia!
Capítulo 11 - 12/09

Novamente todos gritaram, levantando suas armas. Começaram a correr, tanto os filhos de Gaya, quanto monstros do Portador da Luz. Eram como duas forças opostas que se atraíam e o choque foi violento, como o impacto de uma bomba explodindo. A cena assemelhava-se a dois cavaleiros enfiando a espada um no outro ao mesmo tempo. Corpos voavam aos montes. Um P.E.K.K.A corria desembestado do lado negro, pisoteando todos a fim de atacar seus inimigos. Podia-se sentir o chão tremer com os passos da corrida. Homens-gaviões planavam nos céus atirando flechas. Um grito histérico ecoava por todo o vale. Gritos de ira e dor. O som das espadas se estranhando também era ensurdecedor. Urros de guerreiros caindo morosamente no chão e em seguida sendo pisoteados pelos inimigos que vinham como ondas. O rosto de um fauno se desfigurava ao impacto de um chute. Uma bruxa tinha sua mão decepada enquanto tentava lançar um feitiço num centauro. Lobos pulando no pescoço de um troll, a foice de um minotauro cortando o braço de um urso. O que diferenciava os inimigos eram a cor das armaduras. Os filhos da Gaya optaram por armaduras nas cores prata e preto. Já os monstros, vermelha. Os céus repletos de dragões, os brancos de Newton e os vermelhos de Kattagarian que duelavam de igual para igual. Portador da Luz sorria pelo canto da boca enquanto a guerra ceifava vidas.

Algum tempo só observando a luta, quando vários corpos de animais e aberrações jaziam no vale, o rei de Tanatus apontou para Shintaro, que olhou para o rei. O rei disse que era a vez de movimentar um bispo.

Anjo preocupado perguntou a Flicsotera:
- Falta mais alguém para o nosso lado?
- Tenho esperança que Hume, um dos filhos de Keus, apareça. Não sei se a notícia da guerra chegou ao seu reino.

Flicsotera não sabia, mas o mensageiro que havia sido enviado a Hume fora brutalmente assassinado por um lobo gigante.

Anjo não suportava mais ver seus parceiros perecerem daquela forma. Levantou-se num ímpeto a fim de partir para a peleja. Flicsotera tentou impedí-lo, sem sucesso. Anjo voou no seu pégaso, colérico, até o céu objetivando alcançar o ponto onde o rei estava, na intenção de atingir o peito de Portador da Luz com o lançamento de uma adaga. Num sobressalto, Shintaro, em forma meio-homem meio-lobo, sacou a machadinha que trazia no cós, arremessando na direção do Anjo. O objeto cravou-se no peito de Anjo, perfurando a armadura, alcançando seu coração. O garoto começou a soltar a adaga. Trazia um olhar profundo, enquanto observava o campo de batalha, um olhar triste. O mundo inteiro começou a andar devagar. Olhou morosamente para Shintaro, que ria, atrás dele estava Portador da Luz, satisfeito. Anjo sentiu uma fraqueza na carne. Tocou em seu peito e percebeu o sangue. Sentiu seu sangue correr devagar pelas veias. Seu coração lentamente parava de trabalhar. Sua visão foi ficando nebulosa. Sua mente se apagava, diminuía, fechava um ciclo. Ainda montado no pégaso, que descia, procurando pousar o mais rapidamente. Ao descer, o corpo de Anjo caiu na terra. Tudo foi ficando muito frio. Ele ainda conseguia enxergar o céu, haviam estrelas cintilantes que bailavam na escuridão, mas houve um momento em que tudo foi ficando escuro, escuro, escuro...

FIM

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Capítulo 12 - 19/09

Anjo estava caído no chão, com os olhos fechados, completamente imóvel. Todos estavam pasmos com aquela situação. Imaginaram um outro futuro, um futuro vencedor onde Anjo seria o líder ao lado de Flicsotera, mas agora, vendo o escolhido morto, era difícil permanecer naquela guerra perdida. Não acreditavam no que viam. Flicsotera aproximou-se do corpo sem vida de Anjo, roçou o focinho na testa do garoto, deixou uma lágrima cair. Dill, ao ver o recente amigo daquela forma, pegou o seu unicórnio e partiu em disparada contra as hostes de Portador da Luz. Passava por cima de cada monstro que tentava impedi-la. Atirava seus dardos inflamados por todos os lados. Em um momento, antes de colocar uma flecha no arco, um pequeno gollen pulou em sua coxa direita. Dill viu aquele monstrinho todo sorrisonho, segurou a flecha e apertou a ponta na cabeça do monstrinho. Aproximava-se rapidamente do local onde Portador da Luz observava a guerra. Retirou uma seta, e trazia na mira o rei inimigo. Porém percebeu algo antes de atirar a flecha de prata no rei e desviou a direção do arco: apontava para Pérolasky, que neste momento estava olhando para o rei. Dill percebeu que ela era uma vampira. Naquele instante Portador da Luz indicava Pérolasky para o combate. Dill atirou a seta na direção do peito da vampira. A seta cruzava o campo de batalha e riscava o ar, girando e tremendo lentamente, mas inalterável no seu destino. Shintaro percebendo a aproximação da flecha pulou na frente de Pérolasky. A vampira que ainda mirava o rei estava se virando para frente quando viu o lobo caindo no chão, com uma flecha no peito. Ela não acreditava no que estava vendo. Rapidamente aproximou-se do lobo, pegou-o em seu colo, incrédula. Shintaro respirava com dificuldade e cuspia sangue. Uma fumaça começava a emanar de seu corpo ele sabia que era chegado seu fim, pois a flecha era de prata. O lobo puxou-a morosamente para perto do seu rosto, seus olhos brilhavam e denotavam dor. Pérolasky observava aquela cena atônita. Por fim o lobo disse:
- Sempre te amei.

Shintaro deitou seu rosto para o lado enquanto a fumaça aumentava, consumindo o seu corpo inteiramente. Pérolasky começou a chorar. Não havia lágrimas em seus olhos, o tempo havia secado toda gota, tornado aquela terra infecunda. Mas um choro contido. Simbolizando a dor da perda.
- Eu também, meu amor – disse enquanto segurava um pouco de fumaça onde antes havia a mão de Shintaro.

Os outros pilares começaram a atacar, todos saíram do lado do rei e foram guerrear, assim como todos os outros líderes de Gaya. Haviam mais dragões nos céus. Não eram mais os dragões de Newton e Kattagarian, mas os próprios Newton e Kattagarian. Dill não cessou de lançar suas flechas. Arqueiro saiu em disparada a fim de lutar ao lado de Dill. Enquanto corria ele cortava as pernas e braços de vários inimigos, principalmente dos esqueletos com armaduras. Porém os monstros eram muitos, pareciam multiplicar-se. Gaya estava perdendo terreno, e muito. Flicsotera destroçava com sua alcateia centenas de trolls, assim como Flora rasgava os céus transportando flechas ou pedras e atirando no campo de batalha do inimigo. Entretanto não era o bastante. Vendo que não venceriam a batalha, Ouroboros decidiu chamar as amazonas zani para o Vale de Vort, próximo à guerra, pois poderiam aguardar a conclusão da batalha a salvo. Esperando um vencedor.

Dill chorava pela morte de Anjo, era possível ver isto cada vez que uma flecha era preparada próximo ao seu ombro direito.Seus olhos continuavam úmidos e ela não tinha tempo de limpá-los. Arqueiro também sentia a perda, mas isso o motivava a atravessar a espada de duas lâminas em mais e mais esqueletos vivos que apareciam. Gaya estava perdendo, mas não parava de lutar. Não se entregava. Teria sido o discurso de seu mártir? Seria a esperança que os motivava mesmo diante do fim? Sentia esperança sim, mas não sabia porque. Tudo o que se via era o retrato de uma conclusão que se desenhava da forma mais dramática. Podia-se ver morosamente o sangue jorrando, sangue vermelho, azul e negro. Verin lançava suas bolas de fogo nos ursos. Flora com sua corrente enlaçava os inimigos e os apertava até não conseguirem respirar. Portador a tudo observava com um certo prazer. Estavam no monte somente ele e Alias, pois todos guerreavam. Havia um brilho estranho nos olhos de Alias. Naquele instante ela parecia ser mais importante que Portador da Luz.

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Lembro-me de não sentir dor ou aflição no dia em que fui criado. Apenas abri os olhos e vi o que estava ao meu redor. Uma sala com paredes brancas, sem janelas ou portas. Olhei minha mão direita, abri-a, observei a palma, as unhas, passei-a no meu rosto, no intuito de me reconhecer. Jazia numa cama. Levantei-me e andei pelo quarto, toquei na parede e esta brilhou e em seguida não vi mais nada.

Novamente abri meus olhos e estava numa praça, sentado num banco. No horizonte pessoas passeavam de mãos dadas, outras andavam com seus animais de estimação, outros brincavam com crianças de jogar bola. A grama verde parecia um tapete e no fim da vista havia um lago. De repente me vi criança, eu me segurava no colo. Deveria ter uns três meses, o pequeno tocava minha face, meus olhos fitavam uns olhos pequenos e brilhantes. Havia uma fragrância incomum, porém agradável, como de orquídeas. Nós tínhamos um contato único, pois eu conseguia ter as duas visões: a adulta e a infante. E me perdi dentro de uma delas.

Novamente abri meus olhos e estava num caminho. Ao meu lado esquerdo um mar de trigo que dançava às notas do vento. Ao meu lado direito frondosos ipês-amarelos, coloridos como jamais os vi. À minha frente haviam três sombras. Uma delas se aproximou e me disse:
- Desperte, pelo poder de Gaya!

Não entendi o sentido daquilo. Uma outra sombra aproximou-se enquanto a primeira voltava para seu lugar.
- Ó, filho da luz, desperte de tua escuridão outra vez.

Uma terceira sombra veio à frente enquanto a segunda voltava para seu lugar anterior.
- A história sempre tem um fim. E no final haverás de vencer ou ser vencido; tudo só depende de ti! Render-se não é uma opção. É uma derrota! Queres ser vencido? Continue sem nada fazer. Agora, se tens esperança por uma vitória... então desperte, reaja, lute!

Também esta terceira sombra recuou e se juntou às primeiras. No segundo seguinte as três flutuaram pelo caminho que se perdia à minha frente. Uma delas levantou a mão e apontou para cima. Olhei para cima e só via um céu com o imenso e poderoso sol sem nenhuma nuvem ao seu redor. Mas de repente a claridade se tornou escuridão e uma espécie de tela surgiu no céu. Nesta tela eu via uma guerra. Estranhava a situação, mas comecei a me recordar de rostos. Eu me lembrei do motivo...eu me lembrei de tudo. Senti uma chama queimar dentro de mim. Era como se eu fosse possuído por uma força descomunal, senti que podia voar.
- Você não pode sair daqui. Já está morto.
- Quem está aí? – perguntei sem saber quem falava comigo.
- Você não pode mais fazer nada. Todos já estão mortos, esperando o juízo. Você não tem mais controle sobre sua vida. Ela me pertence. Você é criação minha. Faz o que eu ordenar.

Ignorei aquela voz. Senti uma dor nas costas, que logo diminuiu. Peguei impulso e voei em direção ao sol
.

Interlúdio - 01/11

Tendo em vista recentes acontecimentos na minha vida privada, venho por meio desta concluir um conto que comecei há uns quatro meses. Todos devem se lembrar da viagem que foi imposta a Anjo, a guerra inevitável e uma morte inesperada. Pois bem, depois de analisar os fatos narrados decidi convocar uma reunião com alguns personagens para me ajudar a dar um ponto final a esta belíssima e única obra.
Anjo: - Então gente, como vocês acham que deve acabar este negócio?
Arqueiro: - Eu quero que você me arrume uma mulher.
Dill: - Eu tenho que matar Pérolasky, custe o que custar. E depois quero virar pirata, não gostei muito desta história de matar vampiros, prefiro ver gente andar na prancha.
Arthemis: - Não gostei do meu personagem. Preferia ficar do lado de Gaya. Eu sou uma pessoa pacífica, nunca mataria uma mosca.
Ghabi: - Ainda bem que você não levou o fuqui-fuqui para esta história, senão meu maridinho Hume te estrangularia, mesmo depois de morto.
Rosenrot: - Quero que o anjo reviva pra eu matar aquele cão sarnento.
Anjo: - Calma, pessoal. Vocês estão muito apressados. Vocês acham que eu devo trazer o Anjo de volta?
Alirian: - Anjo não mereceu aquela morte, foi muito estúpida.
Ouroboros: - Não me cite nesta história burlesca, e meu nome não é mais Ouroboros, sou GrouchoNietzsche.
Flicsotera: - Eu nem li.
Pérolasky: - Eu quero meu Shintarooooo!!!

Bem, ficou difícil pedir opinião para os personagens. Decidi então eu mesmo procurar as brechas e tapá-las.
Final - 01/11

Durante a batalha entre os dois exércitos um raio cruzou o céu riscando a noite e emitindo um barulho ensurdecedor. Descia com tamanha potência que se assemelhou à queda de Portador da Luz no princípio dos tempos. Todos pararam de pelejar para ver o que era aquilo. O raio tomou a forma de uma esfera de fogo que se chocou com o lugar onde jazia o corpo do Anjo. O impacto tomou a forma de uma bolha amarela que progredia como a luz do sol quando amanhece. Crescia em intensidade, numa detonação contida, fazendo com que os presentes não impetrassem observar o interior da bolha.

Por um instante houve um silêncio tanto dos homens, mulheres e seres quanto de suas espadas. Todos permaneciam mudos perante o ocorrido, sem entender o que era aquilo. A poeira começava a baixar, a claridade diminuía de amplitude. Havia uma enorme cratera no chão. Todos ficaram boquiabertos, observando o que despontava de lá. A visão era aterradora. Quem era aquele ser majestoso? Uma sombra ascendia da cratera, olhando para o chão. Todo o seu corpo liberava fumaça. Andava morosamente. Exibia um corpo robusto à medida que sua imagem se tornava nítida. Era o Anjo. Uma parte da sua armadura estava em frangalhos, trazia somente a ombreira direita, e a proteção dos joelhos e canela. Seus longos cabelos obstinavam em ficar esvoaçando pelo rosto. Não aparentava fraqueza como anteriormente. Ergueu a cabeça. Seus olhos estavam totalmente brancos, e suas sobrancelhas cerradas. Sua face denotava uma ira que nascia do fundo da alma. Nada poderia detê-lo.

Seu olhar só exibia uma direção, parecia que atirava uma seta cujo endereço era o local onde estava Portador da Luz. Não era mais o Anjo de antes. Era outro, com um imenso par de asas negro, punhos cerrados e extremamente forte. Dill ficara sem entender, mas teve tempo para retirar o elmo e limpar os olhos com a manga da blusa, não precisava mais chorar. Um esqueleto arremessou um machado numa pantera negra. Em seguida todos retornaram a guerrear. Anjo voou em direção ao seu principal oponente naquele momento. Enquanto voava fazia sua espada, cujo metal queimava ao toque, deslizar pelo meio dos inimigos fazendo cair metade do corpo para cada lado. Gritava sem cessar um grito de vingança. Rapidamente alcançou o lugar onde estava o rei. Pousou em frente a este e permaneceu inerte na frente de Portador da Luz, tentando estudá-lo, queria entender o porquê de tudo aquilo. Olhava-o de cima a baixo. Portador não reagia, não intentava nenhum movimento fatal, nada. Parecia não temer o que Anjo estava prestes a fazer. O opositor de Anjo exibia o queixo erguido e um olhar misterioso. Sua boca denotava um risinho cínico no canto. Alias admirava o Anjo e suas imensas asas que balançavam levemente ao roçar do vento.

Subitamente o olhar calmo do Portador da Luz se transformou em trevas, seu olhar se tornou negro, e emitiu um grito:
-HIRETAAAAAAAAM!!!

No momento seguinte todos aqueles que haviam morrido na guerra, aqueles que faziam parte do exército de Tanatus, erguiam-se do inferno. Corpos começavam a procurar suas cabeças, cinzas se reuniam formando o corpo de um minotauro que havia sido queimado. O sangue que estava no chão começava a procurar o recipiente que lhe comportava. Ossos se reuniam novamente formando um corpo esquelético. Tudo o que morrera, que fazia parte de Tanatus, erguia-se com vida. Voltando aos seus postos, reagrupando-se, formando inúmeras fileiras de guerreiros inimigos. Flicsotera, Dill e Arqueiro não acreditavam no que viam. Tudo se perdera. Não havia mais motivo para continuar numa luta que já estava perdida. Estavam fracos e todo o esforço que utilizaram na intenção de derrotar o inimigo se esvaia como neblina. Flora, Nirzia, Ghabi e Yannisu se ajoelharam perante o imenso exército que batia o pé no chão ao mesmo tempo. Os mortos de Gaya não retornariam. Só restava desistir.

A noite permanecia escura, nem um resquício de nuvem rubra. Porém o vento começara a soprar. No fim do horizonte, no lado leste, despontava uma certa claridade. A militância de Tanatus partia em direção a Gaya, pisando fortemente no chão, marchando. Os filhos de Gaya não corriam, não fugiam, apenas empunhavam suas armas, esperando a morte. Contudo almejavam levar o máximo de inimigos possíveis. O sol começava a surgir a leste. Alimentando a terra com o seu ardor. Fazendo perceptível a qualquer expectador todo o ambiente da guerra. Tanto sua desolação, quando o deserto vermelho úmido de sangue.

A guerra consumira a noite inteira e principiava a amanhecer. Os raios do sol surgiam no horizonte trazendo uma nova esperança.
Rosenrot se materializara ao lado de Flicsotera.
- Não tema, o socorro está chegando – disse o espírito vermelho que tinha os cabelos em forma de rosa.
- Como assim, Rosen? Não há mais saída. E onde diabos você estava todo este tempo?
- Eu estava andando pelos corredores de Tanatus, estava observando tudo, disfarçada. Quando vi o que o rei iria fazer, disparei a caminho de Pangeia. Fui chamar amigos para podermos lutar e vencer.
- Que amigos? Mandei cartas aos quatro cantos da terra e não obtive resposta alguma. Ninguém virá ao nosso socorro.
- Espere e verá.

Quando Anjo ergueu a mão direita com sua espada em punho a fim de golpear Portador da Luz, este voou aos céus num piscar de olhos. Anjo assustou-se, pegou impulso e voou ao encontro do inimigo no meio das nuvens. Alias voltou ao castelo, enquanto todos os guerreiros do rei partiam para finalizar o povo de Gaya.

Entretanto, no alto da Colina de Ishtar, surgia Hume, montado num crocofante. Ele ergueu sua espada e emitiu um grito de ódio:
- Por Gaya e pelos amigos!

Bateu com os pés na barriga do seu crocofante e desceu a colina em disparada. Quando começou a descer, outros crocofantes o seguiram, apareceram dezenas, e este número se transformou em centenas. Eram muitos. Correndo ao auxílio de Gaya.
- Flicsotera, veja ali, acima daquela planície. – Rosenrot apontava para o noroeste.
- Mas...não pode ser. É quem eu estou pensando?
- Veja! Nynah, ela veio mesmo!
- Minha irmãzinha! – gritou a loba.

Nynah voava comandando uma grande multidão da milícia de Pendot. Ela era uma feiticeira de ônix. Tinha asas de águia. Todos se juntaram a Gaya, que agora parecia ter um pouco menos de seres do que o lado de Tanatus, equiparando os exércitos. Alirian também apareceu. A loba emitiu um alto uivo. Outros lobos começaram a uivar. A batalha recomeçava, mas desta vez os filhos da terra, auxiliados por Flicsotera, Nynah, Hume, Alirian e Ouroboros, que decidira voltar, estavam vencendo. Newton matara Kattagarian. Fada branca transformara Arthemis numa estátua de gelo, que depois foi quebrada pela espada do Arqueiro. Flora conseguira destruir as correntes de Lenobia, que agora fraca não era uma oponente párea. Nynah remetera Verin para outra dimensão com um feitiço. No meio da multidão Pérolasky havia desaparecido assim como Shintaro. A guerra chegava ao fim, na parte de baixo. Gaya saía vencedora. Enquanto isso no céu Anjo e Portador da Luz se digladiavam. Enquanto Anjo golpeava Portador com a espada este se protegia com a própria mão, como se esta fosse feita de metal, gerando faíscas.
- Por que tudo isto?
- Ainda não acredito que tu não saibas. Está escrito, meu caro.

Portador ergueu as mãos fazendo atrair raios. As nuvens estavam carregadas, gerando trovões e relâmpagos. Anjo não tinha medo. Ainda tinha dúvidas do motivo de tudo aquilo. Acaso ainda se livraria do feitiço? Ele era outro, mas ainda se sentia comandado por alguém. Quem? Quem ainda o controlava?
- Tome isto, seu estrume! – gritou o inimigo antes de descarregar um poderoso golpe em Anjo.

Anjo voou rapidamente e se escondeu por entre as nuvens. Portador não conseguia vê-lo. Porém num milésimo de segundo Anjo surgiu por detrás de uma nuvem próximo a Portador e rapidamente encravou sua espada nas costas do inimigo. O fogo que consumia sua espada começou a atingir o peito do seu rival, que se debatia em chamas. Anjo retirou a espada e viu o corpo flamejante de Portador caindo, enquanto este gritava. Porém Anjo percebeu uma coisa. Uma sombra negra saiu da boca do Portador e se dirigia para o castelo.
- Mas o que é isto? – perguntou-se.

Anjo seguiu a sombra. Adentrou o castelo. A sombra voou até o salão principal. O garoto ficou estupefato quando viu esta mesma sombra possuir o corpo de Alias. Alias estava de frente para o trono do rei morto e começou a rir. Seus olhos estavam negros.
- Achas que é fácil assim me destruir? Eu tomo a forma que quiser. Eu sou o Homem Sem Nome, eu sou Portador, eu sou seu pai.

Ao ouvir estas palavras Anjo gritou e pôs as mãos na cabeça.
- Por que tudo isto? Me diga!
- É isto que procuras? Esta é tua liberdade? – indagou o inimigo trazendo em sua mão direita a flauta de prata.
- Sim! É disto que preciso para ser livre!

Portador num fechar de mão destroçou a flauta:
- Ops. Sua liberdade morreu, meu jovem. Não há mais história. Não há mais tempo. Tudo chega ao fim.
- E tudo que vivi? E os amigos que fiz? E a guerra?
- Ainda não entendeste criança? Há um controlador que nos faz dizer o que queremos e fazer o que fazemos. Não há lógica nesta história. Tu hás de me matar em alguns segundos. E hás de encontrar tua liberdade, mas não do jeito que sonhas.
- Como assim?
- Não percebestes durante todo este tempo? Todos te disseram. Tudo está escrito. Nada do que almejas de fato fazer fará. Não é a tua vontade que conta, contudo a Dele.
- Quem é Ele?
- O homem que nos deu as palavras e os atos. O homem que me deu um reino e amigos para ti. Somos a mesma face da moeda. Eu tentei te falar, porém ele me prendeu no Calabouço do Seol. Tentei novamente te dizer, mas Ele, através da Fada Branca, prendeu-me debaixo da terra. Eu te conduzia para a verdade, porém Ele não nos quis ver livres. E por dizer isto a ti estou fadado a morrer e em seguida tu desaparecerás.
- É assim que tudo termina? Eu acreditei na mentira?
- Ele fez com que tu acreditasses nas mentiras de Alirian, Arqueiro, Dill e Flicsotera.
- Mas e esta guerra toda?
- Ele moveu o mundo inteiro para que tu cresses na mentira.
- E o que me resta? – perguntou Anjo.
- Quanto a mim, eu desapareço após proferir a verdade. Meu fim se transforma na tua vitória. Eu desvaneço ao vento.

Automaticamente Anjo soltou uma grande bola de fogo em Alias, que queimava, como uma boneca, derretendo. Anjo estava perdido em si. Tudo fora revelado. O céu se desfazia, as montanhas tremiam, fogo saía dos vulcões. Seu chão havia se despedaçado e ele começava a cair. Caía no infinito do subconsciente da mente Geraildson Souza.


“Não, não é o fim.
Tudo não passou de ilusão?
Nada real
Um sonho.
Mas a dor
A dor não deveria existir
Mas há.
Complexo
Em diversos
Versos.
Não é vontade
Além do que não a tenho.
Sou um objeto
Abjeto.
Estou perto
Apesar de incerto
O caminho que tomei
Levou-me ao fim
O epílogo para o qual
Tanto andei.
E chorei.
Quando não havia alguém
Eu estava lá
Comigo
Não havia mãos brincando
Não havia palavras no gatilho
Não existiam fantasmas me assustando.
Nada além
Do medo de saber
Que o chão por onde eu andava
Já estava desenhado
Enquanto eu caminhava.
Predestinado?
Vidente?
Profeta?
Não.
Um personagem
No mundo que criaram
Para mim.”
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Qui Dez 15, 2016 6:30 pm
Oi, já li e continuo achando um máximo, mas bem que você poderia justificar, pra ficar mais a leitura xD. Vou fazer isso, mesmo que não seja minha função kkkkk.
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Qui Dez 15, 2016 6:39 pm
rsrsr valeu Mano 0/
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Sex Dez 16, 2016 11:48 am
Meu poema heeeee, sempre gosto de ler esse conto XD
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Ter Set 18, 2018 11:24 pm
Eu adoro o suspense dessa história, mas o final não sei se me surpreendeu ou me deu vontade de matar vc kkkkk. Mas essa é a graça dos seus textos.
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